''Eu tenho meus motivos pra ser exatamente do jeito que eu sou, acredite.''

sábado, 10 de outubro de 2009

O horror dos detalhes


Na peça Henrique V de Shakespeare há uma cena que diverge do tom de celebração do resto. Boa parte da peça é sobre a famosa batalha de Agincourt em que um exército inglês liderado por Henrique V derrota um exército francês cinco vezes maior no dia de São Crispim e Shakespeare dá ao rei várias falas exaltando o feito dos poucos afortunados como ele - "we few, we happy few" - cuja coragem e caráter asseguraram a vitória. A peça é um elogio às virtudes peculiares da nobreza inglesa incorporada em Henrique - o que torna mais curiosa a cena destoante. Tão destoante que foi sendo cortada ou atenuada através dos anos e não aparece nas duas versões para o cinema, feitas por Laurence Olivier em 1944 e Kenneth Branagh em 1989. É uma cena de atrocidade. O rei ordena o massacre de prisioneiros franceses que são degolados.
A chacina não apenas desmente todas as belas palavras de Henrique sobre o caráter do seu bando de irmãos como contraria o código de honra que norteava o comportamento dos cavaleiros cristãos nas guerras medievais (mas só contra os outros cristãos, como prova o que aprontaram contra os árabes nas Cruzadas). Talvez Shakespeare, colocando um massacre nada honrado no meio da sua peça mais ufanista, estivesse sendo matreiramente irônicos com seus conterrrâneos. Ou apenas quisesse lembrar que na celebração de grandes vitórias militares, a exaltação esquece o sangue e as belas palavras costumam esconder o horror dos detalhes.
A fala de Henrique ordenando o massacre é um lacônico "Que cada soldado mate seus prisioneiros. Passe a palavra adiante". Sem preâmbulos, sem explicação, sem qualquer elaboração. A terrível singeleza da frase até justifica o fato da cena ter sido frequentemente omitida, já parece tão inconsequente - a não ser para os degolados, claro. O próprio Henrique não menciona mais o incidente, banito, até Shakespeare resgatá-lo cem anos depois da sua biografia. Que não seria muito longa. Ele casaria com a filha do rei francês e seria nomeado herdeiro do trono da França, mas morreria pouco depois, aos 35 anos de idade. O que conquistara com tanto sangue foi recuperado pela França, sob a liderança de Joana D'Arc. Que vingou a derrota humilhante em Agincourt e cuja vitória é celebrada até hoje comom manifestação de um certo espírito peculiarmente francês, esquecidos todos os detalhes sangrentos.
Veríssimo

4 comentários:

  1. este texto é muito dificil...me explique melhor...

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  2. O seu blog tem ficado a cada dia mais bonito. A diversidade de temas e a forma agradável de falar sobre eles é um presente para nós.
    Uma semana leve para ti.

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  3. Nelson, o texto fala da ironia de heróis que promoveram a paz com a guerra, dando um exemplo bem simples... é como se "O Prêmio Nobel da Paz" ganhasse esse prêmio por seus feitos bélicos.
    Realmente e um texto dificil precisa ter um pouco de conhecimento de história.
    Ótimo dia.

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  4. obrigado professora....tenha um exeletente feriado....

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