''Eu tenho meus motivos pra ser exatamente do jeito que eu sou, acredite.''

segunda-feira, 28 de junho de 2010

A medicina de Tchekhov


LUIZ FELIPE PONDÉ
A medicina de Tchekhov

O escritor russo nascido há 150 anos tinha um sentido aguçado para a miséria concreta da vida humana




 


HÁ 150 ANOS o escritor russo Anton Tchekhov (1860-1904) nascia. Médico, Tchekhov tinha um sentido aguçado para a miséria concreta da vida humana.
Partilho com ele de um grande ceticismo com relação à crença cega no progresso, tão comum entre os tolinhos de hoje em dia.
Qual a visão de mundo de Tchekhov? Qual é a marca profética (comumente referida na crítica especializada) dos autores russos do século XIX com relação à modernização? No caso de Tchekhov, contra o delírio de autossuficiência moderna, essa marca está na sua visão de que a humanidade vive contra um cenário infinito que ultrapassa cada um de nós e a cada "era histórica", retirando-nos a possibilidade de avaliar o verdadeiro sentido de nossos atos.
Apenas aqueles que viverão 500 anos depois de nós poderão, talvez, ver algum obscuro sentido em nossas vidas.
Ao contrário dos "ocidentalizantes" (termo comum na Rússia do século XIX para descrever os que abraçavam o avanço moderno sem dúvidas), que se viam como donos do próprio destino, Tchekhov logo percebeu que a modernização seria apenas mais uma experiência, como tudo que é humano, de fracasso com relação à posse do destino.
Contra o ridículo orgulho moderno, ele vê que a modernidade seria uma série de encontros e desencontros com as eternas sombras do humano. Quais seriam as sombras "modernas"? Os ganhos sociais (a superação do "chicote", como dizia Tchekhov, um descendente de servos) e técnicos (os ganhos da medicina no combate, por exemplo, à cólera, que tanto ocupou sua vida de médico de província) que cobrariam um alto preço (perda dos laços comunitários, mergulho na desumanização instrumental em busca de uma vida melhor, "bregarização da vida"), representado de forma cirúrgica em sua obra.
Esta paciência para com o obscuro sentido de nossas vidas é atípica em uma época como a nossa, marcada pela impaciência com o vazio da vida. Fingimos que sabemos o sentido de nossas vidas, vendo-o como sendo o "avanço" ou o "progresso" técnico, ético e social. Para cada avanço, um afeto se esvazia sob o dilaceramento das relações (burocratizadas) que se dissolvem no ar. Os afetos e não as ideias nos humanizam, e afetos não são passíveis de uma geometria do útil.



 
É exatamente da inutilidade dos afetos que fala Tchekhov em peças como "Tio Vânia" ou "Três Irmãs", nas quais as pessoas são tragadas pelos avassaladores detalhes da vida numa marcha cega em direção ao desperdício da sensibilidade humana. Na peça "A Gaivota", uma infeliz gaivota abatida torna-se metáfora de todo o drama: assim como é abatida uma gaivota (pelo diletante desejo humano da caça), somos todos abatidos ao longo da vida, por diletantismo do destino.
Entretanto, que os tolinhos de plantão não pensem que um grande anatomista da alma humana como Tchekhov pensaria bobagens como "se não matarmos gaivotas o mundo será melhor".
É no confronto com as contradições internas da sua obra que podemos perceber que Tchekhov não era um "tolinho progressista" que acreditava numa humanidade higienizada de suas misérias morais.
No conto "O Homem Extraordinário", um homem insuportavelmente honesto, reto e justo (o "insuportável" fica por conta da fala de sua esposa na agonia do parto) destrói a possibilidade da vida cotidiana, em nome de uma vida absolutamente ética: sem luxos, sem desperdício, sem abusos.
Este homem extraordinário dificilmente abateria gaivotas por diletantismo, mas, no lugar do diletantismo da caça, ele asfixiaria a respiração humana sob a caricatura morta de uma vida corretíssima.
No "Jardim das Cerejeiras", uma família da pequena aristocracia rural russa empobrecida, dona de uma propriedade com um jardim de cerejeiras, perde a posse das terras para um descendente de servos, agora livre, burguês e crente no futuro. No lugar deste velho e inútil jardim será construído um loteamento de férias para a "classe média" vir com seu direito brega à felicidade e seu amor ao "futuro".
Pois é ele, o habitante brega desses loteamentos, o herdeiro da Terra e dele será o reino dos céus.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Quem gosta das putas?

LUIZ FELIPE PONDÉ
Quem gosta das putas?

Todo mundo que teme a nova esquerda é chato, castrado, não tem originalidade e é medroso


"A HIPOCRISIA é a homenagem que o vício presta à virtude", dizia o moralista francês La Rochefoucauld. "Moralista", em filosofia, quer dizer anatomista da alma e não alguém que cospe regras em nossa cara.
Hoje a hipocrisia é moeda corrente de grande parte da chamada crítica social. Neste caso, o vício não se vê como vício (o vício aqui é a má-fé em si), mas como consciência social, termo que descreve uma das maiores falácias chiques de nossa época. Quer ver?
Peguemos o caso do filme baseado em "A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água", de Jorge Amado, e o debate ao redor da felicidade como "vida safada" ou realização livre do desejo que critica e expõe a hipocrisia pequeno-burguesa.
O personagem era um homem com vida medíocre e "respeitável". É comum criticar a chamada pequena burguesia por sua hipocrisia miserável: emprego medíocre, poupança medíocre, amor medíocre, cotidiano medíocre, em que todos são lobos desdentados, devorando uns aos outros num ritual de opressão mútua. Quincas tem uma vida sem graça e uma mulher típica da pequena burguesia (infeliz, sem sexo, uma megera).
De repente esse homem "se revolta" e mergulha naquilo que muitos intelectuais de então (numa mistura de marxismo de folhetim e Sade popular) veem como crítica social: sua recusa da hipocrisia pequeno-burguesa se materializará num cotidiano de cachaça, mulheres, prostitutas, jogo, enfim, vida mundana.
Suspeito que, se a crítica social, conhecida como uma crítica fincada no tripé "gênero (feminismo e movimento gay) classe e raça", tivesse surgido há 2.500 anos, não teríamos Aristóteles, santo Agostinho, Shakespeare, Dostoiévski ou Kafka (para citar apenas alguns gigantes que teriam preconceitos de gênero, classe e raça).
Provavelmente, seriam todos monótonos, sem originalidade, castrados, chatos e medrosos, como todo mundo que teme essa turba da crítica social da nova esquerda, uma das piores farsas que já se arrastou pela Terra.
Por que estou dizendo isso? Porque, apesar de dizer por aí que personagens assim "são o máximo" porque caem na "noite de pobre", Quincas não se salvaria da crítica social hipócrita que domina parte do cenário "culto" contemporâneo.
Afora sua correta farra de pobre, ele é machista (faz uso das mulheres como objeto comprando as "coitadinhas" das putas -acredito que a maioria das putas escolhe essa vida porque gosta da coisa mesmo), "opressor" de sua "esposa vítima" para quem nega a "justa" satisfação de suas necessidades de mulher (ela seria uma vítima do desinteresse de um marido incapaz de amá-la tal como se "exige" dos casais) e alienado, sem questionar a "sociedade injusta que o gerou". Hoje em dia, o ideal estético da crítica social seria um Quincas castrado.
Outro erro é assumir a hipocrisia como traço "exclusivo" da pequena burguesia. A pequena burguesia tem um modo específico de hipocrisia. Mas maior má-fé é supor que criticar a hipocrisia da pequena burguesia seja superar a hipocrisia porque esta seria um fenômeno "de classe". Toda a "dialética da luta de classes" se resume na dinâmica que reúne a inveja (dos pobres) e o egoísmo (dos ricos) num rito ancestral de sangue.
A hipocrisia é um elemento intrínseco da dinâmica civilizada (como reconhecem os moralistas franceses, sem por isso fazer o elogio dela). Negar isso (o caráter universal da hipocrisia) é fundar um novo tipo de má-fé, mais falsa ainda, porque se traveste de pureza d'alma.
A necessidade da hipocrisia como elemento da vida civilizada se dá porque os seres humanos não se suportam plenamente. E não há como ser diferente. A "verdade" pode ser mortal na vida social. Alguns sobrevivem graças aos seus vícios, outros perecem graças às suas virtudes. A força desse personagem não está em seu caráter crítico da pequena burguesia, mas sim em seus vícios (mulheres, bebida, jogos), sem perdão. Fazer dele um herói da "virtude política" seria como lhe dar um enterro "respeitável", pequeno-burguês, em vez de levá-lo, mesmo que morto, ao bordel, para "ver" suas deliciosas putas.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Por que Joãozinho não aprende a ler


‘Por que Joãozinho não aprende a ler’
Editorial 15/06/2010
*João Batista Araujo e Oliveira

     O título deste artigo reproduz o de um livro publicado em 1953 e que provocou intenso debate sobre métodos de alfabetização. A polêmica durou até o final do século, quando o assunto foi  definitivamente resolvido. No resto do mundo, não no Brasil. Uma análise das 19 cartilhas de alfabetização aprovadas pelo Ministério da Educação (MEC) em 2009, e que estão em  uso na maioria das escolas públicas, revela a razão. Neste artigo, comentamos apenas alguns aspectos dessa análise.
     Comecemos pela bibliografia citada pelos autores. Bibliografia reflete as orientações usadas. Dentre as 265 referências bibliográficas citadas nas 19 cartilhas, apenas cinco se referem a estudos especificamente voltados para os aspectos centrais da alfabetização, isto é, o funcionamento do código alfabético. Nas cinco, dois autores são os mais citados. Trata-se dos mesmos que o MEC vem mencionando desde que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) entronizaram as ideias ultrapassadas e equivocadas que continuam desorientando os professores em todo o País. Cabe notar que, nessas 265 citações, não há referência alguma a nenhum dos artigos mais citados nos índices de publicações científicas internacionais sobre alfabetização ou nos documentos oficiais dos demais países que utilizam o código alfabético.
     Em matéria de pedagogia, não é só o MEC que está na contra-mão dos progressos da ciência: alguns governos estaduais e municipais, que continuam produzindo suas próprias cartilhas, o fazem com base nos mesmos pressupostos equivocados.
     Outro aspecto da análise se refere ao descumprimento sistemático dos termos de referência do edital do Programa Nacional do Livro Didático. Por insistência pessoal do ministro Fernando Haddad, que enfrentou ruidosamente suas resistências internas e externas, o edital introduziu dois requisitos: a apresentação adequada dos fonemas e grafemas – base de qualquer processo de alfabetização – e atividades próprias para desenvolver fluência de leitura. Esses dois requisitos não foram observados de forma minimamente adequada em nenhuma das cartilhas aprovadas. O prejuízo pedagógico é óbvio. Cabe ao Tribunal de Contas da União (TCU) decidir se isso constitui delito de improbidade administrativa por parte de quem deu e quem aceitou os pareceres sobre essas cartilhas.
     Cartilhas elaboradas com base em pressupostos equivocados não ajudam as crianças a aprender a ler e escrever. Mas qual é, de fato, o objetivo das cartilhas aprovadas? De acordo com seus autores, o importante é promover o letramento, os usos sociais da língua, a intertextualidade, as múltiplas linguagens, a produção textual e outros pomposos desiderados. O domínio do código alfabético que se dane! Ou que se danem os alunos, como atestam os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e as pesquisas sobre a capacidade de leitura dos brasileiros.
    Na prática, o que acontece com as cartilhas é o mesmo que ocorre com os livros didáticos, especialmente os de Língua Portuguesa – um samba de crioulo doido. Nas primeiras páginas das cartilhas, por exemplo, o aluno é convidado a escolher quais palavras do texto (que ele não sabe ler) indicam frutas. Ou é convidado a “escrever do seu jeito” o nome das ilustrações. Ou a combinar sílabas, cuja leitura não lhe foi ensinada, para formar palavras. Ou a identificar, “usando pistas contextuais”, qual de três frases completa um texto. Ou seja, tudo se passa como se a criança fosse um novo Champolion desafiado a decifrar a Pedra de Roseta. Ou a “formular hipóteses” sobre o valor fonológico dos grafemas. Se as pessoas fossem capazes de formular hipóteses pela mera exposição aos textos, como explicar a existência de analfabetos adultos numa sociedade urbana e letrada?
     Nos países desenvolvidos, a questão dos métodos de alfabetização deixou de ser alvo de debates há pelo menos duas décadas, graças aos avanços das neurociências e às contundentes evidências a respeito da superioridade dos métodos fônicos. Os últimos redutos de resistência nos Estados Unidos acabam de ruir com a edição das novas orientações curriculares, nas últimas semanas.
     Eis o que diz um dos mais importantes neurocientistas da atualidade, Stanislas Dehaene, na sua obra Os Neurônios da Leitura: “A conversão grafema-fonema é uma invenção única na história da escrita, que transforma radicalmente o cérebro da criança e sua maneira de ouvir os sons da língua. Ela não se manifesta espontaneamente, portanto, é preciso ensinar.” Quanto à forma de ensinar, a ciência experimental demonstra que para alfabetizar bem pe necessário apresentar os fonemas e grafemas de forma seqüencial, intencional e sistemática. Essa é a função das cartilhas. O tema foi inclusive objeto de relatório de recomendações recentes da Academia Brasileira de Ciências, mas continua ignorado pelo establishment educacional.
     Ignorar os avanços da neurociência e as evidências experimentais acumuladas sobre métodos de alfabetização não significa apenas defender uma posição ideológica a respeito da alfabetização: significa rejeitar a ideia de que a ciência pode contribuir para melhorar o ensino. Ou seja, pedagogia, como bruxaria, dispensa a ciência. Valem apenas as crenças e o poder de pressão das corporações. E é isso que fazem as universidades, no Brasil, e as autoridades responsáveis pela educação na maioria de nossas redes de ensino.
     Não sabemos o que o TCU e o MEC farão para correr atrás do prejuízo. Mas sabemos quais são os resultados dessa política: no 5º. ano do ensino fundamental, metade das crianças não consegue entender o que lê. E agora sabemos por que Joãozinho não aprende a ler, no Brasil.
*Presidente do Instituto Alfa e Beto.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

O direito de buscar a felicidade



     (...) A felicidade para você, pode ser uma vida casta; para outro, pode ser um casamento monogâmico; para outro ainda, pode ser uma orgia promíscua.
     Para você, buscar a felicidade consiste em exercer uma rigorosa disciplina do corpo; para outros, é comilança e ociosidade. Alguns procuram o agito da vida urbana, e outros, o silêncio do deserto. Há os que querem simplicidade e os que preferem o luxo. Buscar a felicidade, para alguns, significa servir a grandes ideais ou a um deus; para outros, permitir-se os prazeres mais efêmeros(...)*
     Eudaimonía: felicidade.
Ela não consiste, segundo Demócrito, nos bens externos.
O homem justo é feliz. E a melhor vida é a mais feliz (Platão).
A felicidade é o supremo bem prático para os homens. Consiste na contemplação intelectual(Aristoteles).
No estoicismo a felicidade resulta da vida harmoniosa, contudo não é um fim (telos), mas um estado concomitante (Seneca)


Gosto da iniciativa da Declaração de Independência dos EUA porque coloca a busca da felicidade como um direito do cidadão.

Também procuro minha versão da felicidade, mas desde que não impeça a procura da felicidade dos outros. Para Nietzsche Eis A Fórmula Da felicidade: Um Sim, Um Não, Uma Linha Reta, Uma Meta...
     Já para Sartre: A felicidade não está em fazer o que a gente quer e sim em querer o que a gente faz.
O conceito de Felicidade em Espinosa: O caminho para se alcançar uma vida feliz implica necessariamente no aperfeiçoamento das emoções. Há muitas paixões que diminuem o nosso conatus. E outras, por outro lado, o aumentam. A libertação das paixões escravizadoras se encontra na substituição dessas paixões, assegurando assim a independência e a serenidade ante as adversidades do meio.

     O que me faria feliz (receber os amigos em casa até altas horas) com certeza não bate com a ideia de felicidade de meu vizinho que gosta de paz e sossego. Por isso não posso exigir que para eu ser feliz, todos procurem a mesma felicidade que eu busco.
     Imagine que para ser feliz todos tem que ser felizes do jeito que você gosta, você estará desprezando a busca da felicidade do outro, assim como o bandido, o estuprador desprezam ......
     A minha felicidade também existe no âmbito da contravenção (como dirigir com os vidros abertos a 160 km..)
     O governo oferece isenção fiscal as igrejas, às quais muitos procuram a felicidade. Mas não deveriam estender esse benefício às escolas de dança de salão ou os clubes sadomasoquistas que também são significativos na busca da felicidade de vários cidadãos?
     Deveria o governo favorecer somente a ideia de felicidade compartilhada pela maioria? Ou deve apoiar a felicidade que teria uma mais “nobre” inspiração moral?
     Antes de responder considere: Os governos totalitários (laicos ou religiosos) sempre “sabem” qual é a felicidade “certa” para seus sujeitos. Juram que eles querem o bem dos cidadãos e garantem a felicidade como um direito social. Claro é a nossa felicidade para todos. É isso que você quer?
 Pensem nisso.... Um ótimo final de semana a todos!! 
Beijos... Tânia.

*Contardo Calligaris
    

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Sem esperança

LUIZ FELIPE PONDÉ
Sem esperança

Pergunto-me por que não proíbem professores de pregar o marxismo e toda a bobagem de luta de classes



RESPONDO ASSIM, de bate-pronto, a um aluno: "Não, não tenho nenhum ideal". Silêncio. Talvez um pouco de mal-estar. Todos ali esperavam uma resposta diferente porque todo mundo legal tem um ideal.
Eu não tenho. É assim? Confesso, não sou legal, nem quero ser. Duvido de quem é legal e que tem um ideal. Esperança? Tampouco. E suspeito de quem queira me dar uma.
De novo respondo assim, de bate-pronto, a outro aluno: "Não, não quero mudar o mundo, nem mudar o homem, muito menos a mulher, a mulher, então, está perfeita como é, se mudar, atrapalha, gosto dela assim, carente, instável, infernal, de batom vermelho e de saia justa".
Mentira, esta última parte eu acrescentei agora, mas devia ter dito isso também. Outro silêncio. Talvez, de novo, um pouco de mal-estar. Espero que falhem todas as tentativas de mudar o homem.
Não saio para jantar com gente que quer mudar o mundo e que tem ideais. Prefiro as que perdem a hora no dia que decidiram salvar o mundo ou as que trocam seus ideais por um carro novo. Ou as que choram todo dia à noite na cama.
Tenho amigos que padecem desse vício de ter ideais e quererem salvar o mundo, mas você sabe como são essas coisas, amigo é amigo, e a gente deve aceitar como ele (ou ela) é, ou não é amizade.
Perguntam-me, estupefatos: "Mas você é professor, filósofo, escritor, intelectual, colunista da Folha, como pode não ter ideal algum ou não querer mudar o mundo?".
Penso um minuto e respondo: "Acordo de manhã e fico feliz porque sou isso tudo, gosto do que faço, espero poder fazer o que faço até o dia da minha morte".
Perguntam-me, de novo, mais estupefatos: "Mas você está envolvido no debate público! Pra quê, se você não quer mudar o mundo?".
Sou obrigado a pensar de novo, outro minuto (afinal, são perguntas difíceis), e respondo: "Participo do debate público pra atrapalhar a vida de quem quer mudar o mundo ou de quem tem ideais".
Os intelectuais e os professores pegaram uma mania de ser pregadores, e isso é uma lástima. Inclusive porque são pessoas que leem pouco e que são muito vaidosas, e da vaidade nunca sai coisa que preste (com exceção da mulher, para quem a vaidade é como uma segunda pele, que lhe cai bem).
O que você faria se algum professor pregasse o evangelho ao seu filho na faculdade? Provavelmente você lançaria mão de argumentos do tipo que os intelectuais lançam contra o ensino religioso: "O Estado é laico e blá-blá-blá... porque a liberdade de pensamento blá-blá-blá...". Se for para proibir Jesus, por que não proibir qualquer pregação?
Pergunto-me por que não proíbem professores de pregar o marxismo em sala de aula e toda aquela bobagem de luta de classes e sociedade sem lógica do capital? Isso não passa de uma crendice, assim como velhas senhoras creem em olho gordo.
Nas faculdades (e me refiro a grandes faculdades, não a bibocas que existem aos montes por aí), torturam-se alunos todos os dias com pregações vazias como essas, que apenas atrapalham a formação deles, fazendo-os crer que, de fato, "haverá outro mundo quando o McDonald"s fechar e o mundo inteiro ficar igual a Cuba".
Esses "pastores da fé socialista" aproveitam a invenção dessa bobagem de que jovem tem que mudar o mundo para pregarem suas taras. Normalmente, a vontade de mudar o mundo no jovem é causada apenas pela raiva que ele tem de ter que arrumar o quarto.
E suspeito que, assim como fanáticos religiosos leem só um livro, esses pregadores também só leem um livro e o deles começa assim: "No princípio era Marx, e Marx se fez carne e habitou entre nós...".
Reconhece-se uma pregação evangélica quando se ouve frases como: "Aleluia, irmão!". Reconhece-se uma pregação marxista quando se ouve frases como: "É necessário destruir o mundo do capital e criar uma sociedade mais justa onde o verdadeiro homem surgirá"."
Pergunto, confesso, com sono: "E quem vai criar essa sociedade mais justa?". Provavelmente o pregador em questão pensa que ele próprio e os seus amigos devem criar essa nova sociedade.
Mentirosos, deveriam ser tratados como pastores que vendem Jesus e aceitam cartão Visa.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Heloisa

LUIZ FELIPE PONDÉ
Heloisa

Um dos males da época brega em que vivemos hoje é achar que todo mundo seja capaz de amar



MUITAS LEITORAS me perguntam se acredito no amor romântico. Sim, e vou dizer como. Adianto uma diferença: uma coisa é o amor no sentido do que dá "liga" no convívio de longa duração e outra coisa é o amor romântico (pathos), e os dois não são "parentes".
O amor no sentido de "liga" é cristão: doação, esforço cotidiano, construção de vínculos. O amor romântico é da ordem da tragédia.
Não farei uso de nenhuma pretensa sociologia do amor ou história do beijo. Essa afetação científica não me interessa. A minha descrença nas ciências humanas está além da possibilidade de cura. Parafraseando Pascal (séc. XVII), quando se refere a Descartes (séc. XVII): acho as ciências humanas incertas e inúteis.
Tampouco sofro da afetação das neurociências. Aqui, o amor seria apenas uma sopa com mais ou menos serotonina. Pouco me importa qual lado do cérebro acende quando amo. Ambas nos levariam a conclusões do tipo: o amor romântico seria uma invenção a serviço da ideologia burguesa e patriarcal ou alguma miserável conjunção de neurônios, como num tipo de demência senil.
Falo como medieval extemporâneo que sou. Acho a literatura medieval melhor para falar do amor romântico (como achava o mexicano Otavio Paz). Em matéria de ser humano, confio mais nos medievais do que nos homens modernos.
Segundo André Capelão (séc. XII) em seu "Tratado do Amor Cortês", o amor é uma doença que acomete o pensamento de uma pessoa e a torna obcecada por outra pessoa, criando um vício incontrolável que busca penetrar em todos os mistérios da pessoa amada: suas formas, seu corpo, seus hábitos.
Trata-se de um anseio desmedido, uma visão perturbada que invade o coração dos infelizes. Tornam-se ineficazes e dispersos. Esses infelizes deliram em abraçar, conversar, beijar e deitar-se com o ser amado, mas jamais conseguem fazê-lo plenamente (por várias razões), e essa impossibilidade é essencial na dinâmica do desejo perturbado. Corpo e alma estremecem anunciando a febre da distância.
O amor romântico é uma doença. Nada tem a ver com felicidade. Por isso sua tendência a destruir o cotidiano, estremecendo-o.
Ou o cotidiano o submeterá ao serviço das instituições sociais como família, casamento e herança patrimonial, matando-o.
Por isso, os medievais diziam que o amor não sobrevive ao cotidiano. O cotidiano respira banalidade e aspira à segurança (irmã gêmea da monotonia, mas que a teme ferozmente), e a paixão se move em sobressaltos e abismos. Uma pessoa afetada pela paixão não pensa bem.
Nem todo mundo sofrerá da "maldição de amor", como diziam os medievais. Muita gente morre sem saber o que é essa doença.
Um dos males da época brega em que vivemos é achar que todo mundo seja capaz de amar como se este fora um direito do cidadão. Com a idade e o estrago que o cotidiano faz sobre nossas vidas e suas demandas de acomodação dos afetos (e a instrumentalização a serviço do sucesso material), a tendência é nos tornarmos imunes ao "vírus".
O século XII conheceu a triste história do filósofo Abelardo e sua amada Heloisa. As semelhanças dessa história com os contos de amor cortês como Tristão e Isolda ou Lancelot e Guinevere é grande. Nesses contos, há sempre um impeditivo ético à paixão.
Um dos amantes é sempre casado com alguém virtuoso ou um porá em risco a vida do outro devido ao ódio ou a inveja de um terceiro (por isso, se forem virtuosos, devem abrir mão do amor). O desejo se despedaça contra o fogo da virtude, mas não morre, apenas arde em agonia.
Daí a grande sacada dos medievais: quando desejo e virtude se contrapõe, a "maldição de amor" assalta a alma. Sentir-se pecador (e por isso não merecedor da beleza do amor) destrói a alegria, atiça o desejo e piora a doença. A melhor rota é fugir do amor, porque uma vez ele instalado, a regra é a dor.
Abelardo morreu castrado pelo tio da Heloisa. Ela, triste, foi trancada num convento. Na idade média, a Igreja recebeu muitas mulheres desesperadas, vítimas dessa doença, muitas vezes, fatal. Como diz o livro Cântico dos Cânticos na Bíblia, texto inspirador da literatura cortês: "Não despertem o amor de seu sono..., pois ele é um inferno".

domingo, 6 de junho de 2010

Um Homem Sério, A vida Íntima de Pippa Lee.


Hoje reservei o domingo para assistir a alguns filmes que estavam reservados na estante, “ Um Homem sério” e “ Vida Íntima de Pippa Lee”. 


O primeiro dos irmãos Cohen confesso que me decepcionou, apesar das críticas favoráveis, o filme deveria se chamar “Um homem idiota”, como pode alguém passar por tantos desagravos na vida e seguir como se não fosse com ele, (o maior de todos é ter que pagar o funeral do amante da esposa), sem falar no final, sem sentido algum. 


O filme “A Vida Intima de Pippa Lee” fala de superação, de culpa, de dependência, não necessariamente nessa ordem. Pippa desde pequena vive sob a proteção de uma mãe dependente de tranqüilizantes, depois vai morar com uma tia (que descobre ser lésbica), e vive por um tempo com alguns hippies na época do “paz e amor”, até que conhece seu marido em uma festa de artistas e intelectuais.


A vida dá a Pippa uma chance de se reapaixonar, quando conhece o filho de uma vizinha, na mesma época em que descobre que seu marido mantém um caso com sua amiga. Pippa percebe que anulou sua vida após o casamento, mas se sente livre após descobrir a traição.


É interessante acompanhar Pippa nessa trajetória de autoconhecimento, de superação e até mesmo de uma nova oportunidade de vida.
Dica: Não percam tempo com Um Homem Sério”, mas dêem uma chance para “A vida Intina de Pipa Lee”, e boa diversão.
Uma ótima semana a todos!!