''Eu tenho meus motivos pra ser exatamente do jeito que eu sou, acredite.''

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O que é o amor?

18/01/2011
O que é o amor?  São quatro as características principais do amor por uma pessoa: a preocupação desinteressada pelo amado ou amada; a escolha pessoal, tornando o amado ou a amada insubstituível; a identidade com o amado ou amada, no sentido de acolher os interesses dele ou dela como se fossem os seus próprios; por fim, a restrição da vontade, ou seja, o não controle total sobre o amor, que surge (e se encaminha) por ele mesmo em relação ao amado ou amada.
Essas características estão na base da tentativa do filósofo americano Harry Frankfurt de conceituar o amor, no seu belo conjunto de três ensaios, apresentados no As razões do amor (São Paulo, Martins Fontes, 2007, publicado nos Estados Unidos em 2004). Ele as encontra, entre outros lugares, principalmente no amor de pais por filhos. Aliás, ele toma esse tipo de amor quase que como o tipo ideal, aquele que poderia preencher com mais facilidade as exigências do seu conceito de amor.
Para filósofos do conceito creio que o esforço do professor Harry Frankfurt é mais que louvável. Todavia, o que se ganha e o que se perde com essa delimitação do amor? Já de pronto, temos um problema: uma das relações amorosas mais corriqueiras e, sem dúvida, aquela pela qual construímos nossas vidas – afinal, em geral antes namoramos e nos casamos, para depois termos filhos – parece ficar de fora das fronteiras do conceito aqui posto. O amor do enamoramento é visivelmente interessado. Aliás, quando um homem ou uma mulher, até então amantes, não se amam mais, a primeira coisa que percebem em relação aos seus parceiros é que eles não lhes são mais interessantes. Eles são aquilo que não lhes desperta mais o interesse.
O filósofo espanhol Ortega y Gasset escreveu certa vez que o que um homem pode ouvir de melhor de uma mulher, após um ou dois encontros, é ela dizer que ele é “interessante”. A mulher que diz que um homem é lindo pode não estar caída por ele. A mulher que diz que um homem é bom, também não. Mas a mulher que diz que um homem é interessante, se não está caída, ela está a menos de meio passo disso.
Toda nossa linguagem é clara quanto ao interesse. O que dizemos quando alguém nos pergunta a respeito de uma mulher? Ora, usamos essas palavras: “não, ela não me interessa”. Ou então: “sim, eu me interesso por ela”.
Mas, se é assim, como que Harry Frankfurt pode querer conceituar o amor e, na primeira característica, coloca o interesse de fora?
Podemos dizer que o filósofo americano trata da “preocupação desinteressada” em um sentido muito específico. O que há nesse desinteresse é que eu, o amante, no meu cuidado com a amada, a tomo como um fim, não quero o seu bem de modo que isto seja um meio para eu alcançar outra coisa senão o seu bem. Quero o seu bem e pronto. O desinteresse, nesse caso, não é o desinteresse do não-interesse, mas o desinteresse de quem não quer agir com o bem da amada para que, terminada a ação, se possa alcançar outra coisa que não aquilo que já se alcançou, que é o bem da amada.
Podemos amar alguém assim, segundo esse tipo de desinteresse, e ao mesmo tempo termos essa pessoa como o nosso marido ou a nossa esposa, e não necessariamente nosso filho ou filha.  Podemos mesmo? Mas, o amor entre casais, o amor do enamoramento, não exige que tenhamos um interesse no outro, algo que tem um vínculo necessário com a relação instrumental , que é a obtenção de prazer com o corpo do outro? E mesmo quando se trata de dar prazer, não é também o dar prazer – o fazer gozar – altamente prazeroso para nós mesmos? Não é nesse egoísmo do amor de enamorados autênticos que o amor se prontifica a aparecer? Ora, se é assim, temos então de eliminar isso para podermos dizer, com o filósofo americano, que estamos diante do amor? Para dizer que estamos diante do amor temos de justamente deixar de lado essa característica tão central de uma das principais relações denominadas por nós de amor?
Poderíamos dizer, então, que não há amor e, sim, amores. Há o amor conceituado por Harry Frankfurt, no qual o amor de pais por filhos estaria bem representado. E haveria o amor entre casais, que então teria de requisitar dos filósofos um outro conceito. Isso seria bem estranho, pois desse modo, encontrando um conceito para cada tipo de amor, já não teríamos conceito algum e, sim, uma tipologia. Ao fim e ao cabo não teríamos o conceito de amor, mas a descoberta de que o amor não se conceitua e que, tudo que podemos fazer nada é senão irmos tateando aqui e ali, adjetivando a palavra amor para cada circunstância. Fim de papo?
Creio que o problema de Harry Frankfurt merece melhor análise. Parece que sua tentativa de conceituação ainda merece mais discussão.  Posso imaginar que o amor que sinto pela minha esposa é, sim, o de preocupação desinteressada. Quero o bem dela pelo bem dela e nada mais. Quero vê-la feliz em tudo que faz. Quero que ela faça tudo que a deixa realizada e feliz. Não cuido dela pensando em outra coisa senão em ver que o cuidado a deixou … cuidada! Mas, em determinados momentos do dia, esse amor perde sua faceta completamente altruísta e até solitária. Meu olhar cruza com o dela e, sem que tenhamos de conversar, a idéia de nos darmos prazer um ao outro se encaixa numa espécie de recíproca recompensa que não é nem maior e nem menor que a preocupação desinteressada, mas é de outra ordem. Assim, o sexo e o prazer surgem como um plus, que não fica maior que a preocupação desinteressada. Desse modo, a preocupação desinteressada parece conviver bem como o interesse pelo outro, pela busca como um casal se encontra, dá prazer e “faz amor”. O amor da cama faz parte do amor e o amor desinteressado faz parte do amor feito na cama. Parece que não há nenhum problema aí.
No dia seguinte, se minha esposa tem uma gripe, eu coloco em segundo plano todas as minhas atividades para cuidar dela. Não quero outra coisa senão vê-la novamente bem. Não quero isso para fazer sexo com ela. Todavia, mesmo que eu diga isso, eu sei – e não posso esquecer – que ela, uma vez ficando bem, estará ali disponível para mim, e terei aquele prazer com ela. Terei com ela aquele prazer que só ela consegue me dar, e que foi o motivo pelo qual eu a tornei minha parceira, e não outra. Sei muito bem que isso é o que todos chamam de o sucesso do casamento. Pois se o prazer que ela me dá é secundário ao prazer que posso ter com outra, não adianta eu querer me convencer do contrário, pois sei que casei errado. Ou seja, no limite, a quatro paredes, se penso que outra mulher pode me dar maior e melhor prazer que aquele que minha esposa me dá, sendo honesto comigo mesmo eu terei de dizer a mim mesmo: gosto da minha esposa, mas não amo.
Se assim é, a preocupação desinteressada, no limite, não existe. Isso não quer dizer que eu não daria a minha vida para que a minha esposa vivesse. Não! Posso gostar da minha mulher, minha esposa, e assim fazer. Isso pode ocorrer e, desse modo, outros irão dizer, “nossa, ele a amava de verdade”. Todavia, não era bem assim. Eu troquei a minha vida pela dela por seguir princípios morais ou por gostar muito dela como quem me ajudou na vida ou por achar que ela, sendo mais jovem, deveria viver mais. Não foi por amor, no sentido do amor que eu queria sentir com ela. Estou morto, não posso dizer mais nada, mas se pudesse voltar, diria com a boca cheia, caso ela não ficasse sabendo: “não, não foi por amor, não o amor pleno que, enfim, eu gostaria de ter tido por ela”. É este o ponto que faz o conceito de Harry Frankfurt ter problemas. É um bom conceito. Mas, logo na sua primeira característica, ele parece empurrar para fora o que deveria estar dentro, o amor típico que se manifesta entre um homem e uma mulher.
Será que há como resolver esta questão para Harry Frankfurt? Ou ele, consciente disso, quis mesmo colocar o conceito de amor como um elemento que coloca o amor dos enamorados no segundo plano? Ou a questão do conceito de amor é a de que não temos razão para conceituar?
© 2011 Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo, escritor e professor da UFRRJ

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