''Eu tenho meus motivos pra ser exatamente do jeito que eu sou, acredite.''

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Além da Vida

     



     Clint Eastwood na maturidade deixa de lado seus filmes mais violentos e torna-se mais introspectivo, mais ou menos espiritualizado.  Quando se falou num filme cujo tema tivesse um pé lá com o espiritismo, porém cujas mãos foram concebidas por ninguém menos do que Clint Eastwood, este receio de soar tudo muito didático ou fraco (considerando filmes nacionais sobre o tema como “Nosso Lar”) logo desaparece. Clint se mostra 100% imparcial em relação ao tema, não afirmando absolutamente nada.



     E aqui nós temos 3 histórias num mesmo filme: Uma francesa (Marie LeLay – interpretada por Cécile De France) que ao passar suas férias na Tailândia, acaba sendo atingida por um Tsunami e passa por uma experiência de quase morte; Gêmeos totalmente ligados e unidos (Jason e Marcus, interpretado pelos irmãos George e Frankie McLaren) que tentam tirar sua mãe de um vício – e claro, uma tragédia Eastwoodiana fazendo a morte de um deles; e por fim, um rapaz (George Lonegan – Matt Damon) que anseia por uma vida normal, quando ele se considera amaldiçoado por ter o “dom” de se comunicar com os mortos. Dom este que seu irmão incentiva, afirmando que ele pode ganhar muito dinheiro com isso. Estas 3 histórias paralelas tratam sobre a morte de três diferentes maneiras, e embora você saiba obviamente que estas histórias irão se cruzar, não se faz idéia do como.


     Para acentuar ainda mais o fato de não tender a corda para nenhum dos lados, charlatões que se dizem videntes aparecem no filme, tentando claramente advinhar algo sobre aqueles que perderam algum ente querido.Você se emociona em muitas cenas, que intercalam ceticismo (por parte dos charlatões) com acontecimentos emotivos cujos fatos beiram o sobrenatural e o anjo da guarda em ação.
     Penso que Clint Eastwood  colocou uma personagem francesa na história  para fazer referencia a Allan Kardec,  o codificador do espiritismo,  e teoricamente foi o primeiro país a difundir a doutrina graças a ele (cujo nome original é Hippolyte Léon Denizard Rivail), é engraçado como há tanto tabu em se falar de temas como experiência quase morte ou conversa com os mortos, sendo evitado nitidamente pelos editores franceses que se recusaram inicialmente a ajudar Marie a publicar seu livro no filme. Mas pode ser mera coincidência. Entretanto, em se tratando de Clint Eastwood, o mestre das sutilezas e analogias, eu não teria tanta certeza assim…
    Recomendo o filme, mas por ser longo e "parado" com exceção do tsunami inicial, procure uma poltrona num local onde possas esticar as pernas...rs 




     Abaixo o post semanal do filosofo Pondé que parece admirar muito Clint pois ministrará um curso sobre 4 filmes desse ator/diretor


LUIZ FELIPE PONDÉ "Além da vida"


O que encanta Clint Eastwood é a coragem diante de um mundo que se encontra em agonia



VOCÊ ACREDITA em vida após a morte? Eu não tenho opinião formada, por duas razões. Primeiro, porque se trata de uma questão sem resposta científica, mesmo que a sensibilidade espírita insista que "espiritismo é uma ciência". Bobagem, não há nada de científico no espiritismo.
Quando era adolescente, eu fazia a brincadeira do copo (fazer o copo "andar" e responder questões "soletrando" as palavras a partir de letras escritas sobre a mesa). Nunca funcionou comigo, mas sempre deu certo para pegar meninas assustadas. Corriam para nossos braços na velocidade da luz. Que delícia!
Pânico natural nas mulheres é um belo acessório de beleza e altamente afrodisíaco. Como saia curta e camisetas brancas molhadas. Certa feita, eu peguei uma menina assaz difícil no cinema graças ao bom "Tubarão".
Por outro lado, materialistas não têm tampouco uma resposta negativa definitiva para a questão da vida após a morte.
Minha segunda razão é mais blasé: nunca penso no assunto. Não me preocupo com a imortalidade da alma. O "sobrenatural" não me interessa nem um pouco.
Mas o tema é filosoficamente significativo porque as pessoas, por milhares de anos, têm se perguntado: "O que existe além da vida?"
O novo filme de Clint Eastwood, "Além da vida", trata desse tema de forma magistral. Mas não esqueçamos: trata-se de um Clint Eastwood. Isso significa o seguinte: um pano de fundo trágico permeado pelo problema da coragem versus a covardia diante do sofrimento humano.
Quando falo em "pano de fundo trágico", refiro-me a uma visão de mundo na qual a vida não tem nenhum sentido último aparente e, portanto, seus heróis se movimentam numa falta absoluta de sentido, numa espécie de escuridão moral.
O homem faz o que pode diante da opacidade de um mundo que lhe é, ao final, sempre hostil. O que encanta Clint Eastwood é a coragem diante de um mundo agônico, como todo autor que se move numa atmosfera trágica.
Existem duas virtudes básicas na tragédia: a coragem e a piedade (aos ateus alegrinhos: não confundir piedade com pieguice). Essa piedade é marcada pelo "páthos" que podemos sentir diante de nossos semelhantes torturados por um combate sem fim contra nossa agonia ("agon", em grego antigo, pode ser traduzido por "conflito").
"Além da vida" não é um filme espírita. Não é uma historinha sobre um médium que fica falando com mortos ou escrevendo cartas psicografadas cheias de obviedades.
O filme tem dois heróis e uma heroína. Um deles é um médium que vê nesse "dom" uma maldição, fruto de um erro médico que o destrói (não consegue ter vida profissional ou afetiva). O outro é um menino que perde um ente querido e fica desesperado procurando alguém que "diga" ao morto que ele sente saudade e que não sabe viver sem ele.
E a heroína é uma jornalista famosa, doce e generosa, que tem uma experiência de "quase morte" como vítima de um tsunami. Ela ficará obcecada por procurar respostas para o que sentiu, levando sua vida pessoal e profissional à beira do abismo.
Os mortos no filme não são esses seres falsamente poderosos que fingem poder "fazer nossa vida dar certo", como é o caso da farta "economia do além da vida" que se aproveita de nossa agonia.
A vida após a morte (vista como uma possibilidade séria no filme) pode ser apenas "mais do mesmo". À diferença da cambada de picaretas que o menino encontra em seu caminho (essa turba que vive de enganar as pessoas falando coisas como "sua vida vai mudar se você fizer X" ou "estou bem, mamãe"), o filme eleva essa angústia ao seu sentido trágico piedoso: somos quase sempre egoístas e covardes e poucos são corajosos e generosos, mesmo em se tratando do "além da vida".
Saber (de fato) que existe vida além da morte pode ser um ônus terrível. Conseguir falar com um ente querido morto pode custar sua sanidade. Seguir seu desejo até o fim pode te destruir. Continuamos na escuridão. Só a rara beleza da coragem e da generosidade ilumina.
Para Clint Eastwood, devemos sempre nos ajoelhar diante desta rara forma de beleza.

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