''Eu tenho meus motivos pra ser exatamente do jeito que eu sou, acredite.''

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Gran Torino by Heitor Augusto (crítico de cinema)




Quando as primeiras informações sobre Gran Torino começaram a surgir nos Estados Unidos, pairou no ar uma sensação de que o 31º longa de Clint Eastwood como diretor estaria próximo demais de Dirty Harry, filme de 1971 no qual ele interpreta Harry Callahan, um detetive durão, sem limites. O personagem, espécie de predecessor de Cobra, Rambo e Chuck Norris, marcou a carreira de Eastwood como ator. Felizmente, Gran Torino está distante das inconsistências de Harry Callahan e apresenta um personagem que combina um ar rabugento e egoísta, obrigado a lidar com suas sombras do passado, a recente morte da mulher e os orientais que invadiram o bairro em que ele mora. Esse homem é Walter Kowalski (Eastwood), um dos melhores personagens da história do cinema. Kowalski é a síntese da decadência. Ao voltar da Guerra da Coréia (1950-53), onde serviu como combatente, passa a trabalhar na indústria automotiva. A mesma indústria, baseada em Detroit, que foi a primeira a ser afetada quando os EUA entraram em crise meio século depois. Daquela época, resta uma lembrança: seu carrão Gran Torino 1972, intacto, guardado a sete chaves na garagem. O velho rabugento vive uma existência medíocre e solitária, descarregando sua falta de humor sobre seus vizinhos, descendentes de Hmong, etnia que habita diversas regiões do sudeste asiático. Óbvio que, para Kowalski, Hmong, coreanos, japoneses são todos iguais. Um incidente inesperado o obriga a defender os vizinhos ao lado, cujo único homem da família, o adolescente Thao (Bee Vang), é assediado para entrar em uma gangue. O acontecimento muda sua relação com o mundo. Com sutileza, o diretor encontra espaço para ironizar os heróis do cinema capazes de salvar países à bala. Em um período histórico em que pessoas procuram heróis, Eastwood nega isso a seu personagem. Ele não salva os Hmong porque tem bom coração, mas apenas porque a gangue violou uma regra sagrada: ninguém pisa em seu jardim. Mas existem coisas que são maiores do que imaginamos ou do que nós mesmos. A família ao lado de Kowalski não tem proteção alguma contra o assédio continuo da gangue. Querendo ou não, o velho está ali pertinho e tem de fazer algo em relação a isso. Ele inicia uma jornada de transformação que Eastwood não faz questão alguma de esconder do espectador. Mas, com maestria, o diretor ainda mantém um ponto de interrogação sobre o tamanho da transformação de seu protagonista e o final reservado a ele. Tudo isso em pequenas doses de ironia, com um texto repleto de expressões, digamos, mal-educadas. Gran Torino é um filme com diversas portas de entrada para o espectador. Uma delas é a aproximação de Walter Kowalski, um conservador que enxerga três necessidades na vida de um homem: ter um carro, casar e trabalhar. Ironicamente, três esteios da sociedade norte-americana: consumo, família e trabalho. Eastwood, em diálogos que beiram o bizarro, ironiza isso. Por muitos anos, Eastwood ficou conhecido por uma frase célebre de seu personagem em Dirty Harry: “Vá em frente, faça o meu dia”, algo como “mova-se e eu explodo sua cabeça”. Em Gran Torino ele traz outro bordão marcante: “get off my lawn”” que, em livre tradução minimamente justa com o teor original, seria como “vaza do meu jardim!”. Mas, diferente de 38 anos atrás, Eastwood abandona o herói sem contradições e nos presenteia com um anti-herói que é a pura contradição.

Um comentário:

  1. Oi Tânia, realmente assisti o filme, um filme impactante, pena que pouco divulgado. É impressionante ver a transformação do velho recém-viúvo distante de sua família próxima e carregado de feridas de guerra num ser humano mais afável. O filme é quase todo ele de Clint e consegue ser ao mesmo tempo intenso e também sinceramente divertido (apesar das piadas serem totalmente racistas e preconceituosas e ao mesmo tempo com certas doses de emoção).
    O filme não trata apenas de preconceito, mesmo sendo o tema principal: o bairro onde mora é tomado por coreanos, o carro que o filho comprou é de uma marca japonesa, a recepcionista do consultório é árabe e a médica que substitui o doutor que o atendia (já aposentado a três anos) é chinesa. A história trata também de intolerância. Intolerância do Waltz, intolerância da gangue, intolerância da avó de Thao que não mede as palavras de sua língua nativa ao criticar o vizinho intolerante. Obrigado pela indicação. E você assistiu a Noiva Síria que indiquei?

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