''Eu tenho meus motivos pra ser exatamente do jeito que eu sou, acredite.''

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Antígona



ANTÍGONA

By Luiz Felipe Pondé
Folha de São Paulo 22/06/09



“Quando nasci, minha mãe deu à luz gêmeos: eu e meu irmão, o medo”. Hobbes teria dito isso. Sofro desse sentimento. Tenho muitos medos. Um deles é bem moderno: o medo de não ter preconceitos corretos. Quais seriam estes?

Ora, repito o óbvio: contra o cristianismo, contra brancos heterossexuais, contra os EUA.

Assim como normalmente a “perua” é a mulher de saia curta que não é nossa amiga, “reacionários” são os que ousam discordar das nossas tiranias de estimação.

Às vezes me pergunto: afinal de contas, por que supor que se você for negro você será essencialmente mais justo? Ou se você for homossexual, você será essencialmente mais democrático? Por que travestis ou transexuais merecem ter silicone e cirurgias “de graça”, enquanto diabéticos e pacientes renais morrem em filas?

Perguntas que não devem ser feitas à mesa de “pessoas de bem” no teatro ridículo da democracia contemporânea. Um bom exemplo é o culto ao “jovem”. Por que supor que movimentos de jovens são sempre “coisas do bem”?

O “jovem” não é propriamente uma invenção do século XX. Quando pensarmos em “jovens”, temos em mente os jovens protestando nas ruas nos anos 60: hippies contra a guerra do Vietnã nos EUA, parisienses armando “barricadas do desejo” em maio de 68. Tanto num caso como no outro, ao final, todos voltaram para casa, pedindo mesada ou procurando emprego. E por quê? Porque deixaram de ter 18 anos, tiveram filhos e conta a pagar. Mas esta não é toda a história, há mais do que isso, e esta história começa bem antes desses “espetáculos”, que nos legaram calças jeans e sexo livre, supostamente de maior qualidade.

O que é esse “jovem”? Figura originariamente romântica (século XIX), o “jovem” nasce da idéia falsa de que exista um “gênio” específico no jovem (pessoas de mais ou menos 15 a 25 anos) que o diferencie moralmente e politicamente do resto da humanidade. Não acho que pessoas de 15 a 25 anos tenham nenhuma reserva moral ou política: são capazes de agir de má fé como todo mundo.

Seu comportamento não guarda nenhuma evidência de boa qualidade em si, podem cometer atos de opressão e manipulação como qualquer outra pessoa.

Não acredito no “jovem”. A forma mais certa de trairmos os mais jovens é deixá-los crer no “jovem”. Outra forma é tomar suas idéias e movimentos políticos e sociais como sinônimos evidentes “de um mundo melhor”. Seja como for, estes movimentos não são necessariamente defensores da liberdade.

Exemplos banais de como movimentos estudantis oprimem seus colegas e manipulam opiniões e esmagam diferenças enchem as páginas da paisagem histórica.

Ainda no século XIX, o escritor russo Turguêniev, em seu livro “Pais e Filhos”, imortalizou a imagem do jovem arrogante e cruel em seu estudante Bazarov, exemplo do jovem niilista russo, capaz de destruir tudo em nome de seu autoritarismo libertário e científico – ainda que Bazarov, ao final, tenha o destino comum de muitos homens, o de ser derrotado pelo amor não correspondido de uma mulher.

Sabemos que movimentos estudantis aderiram aos fascismos modernos, perseguindo colegas e professores nas universidades européias em nome da “nova saúde política”. Assim sendo, pergunto: por que devemos aceitar que exista uma “razão da idade” que faz alguém mais confiável só porque nasceu em 1990? A culpa, na maioria das vezes, é de seus professores (quando não dos pais que aderem a desculpas”da ciência da psicologia” para sua preguiça), muitas vezes pessoas amargas, orgulhosas e um tanto decadentes, que de dentro da sala de aula recriam um mundo à luz de suas pequenas manias teóricas.

Alguns dizem por aí que devemos “reformar a educação”; eu acho que a educação não funciona mesmo, por isso que a moda da “nova educação”, sempre pega. Às vezes, milagres (Gotas de consciência) ocorrem a partir da leitura de um livro ou da fala de um colega ou de uma professora, e normalmente estes milagres revisitam eternos dramas, por exemplo, o de Caim e Abel (a velha inveja) ou o de Antígona e Creonte (devemos ouvir a voz da consciência ou sucumbir ao medo da lei da polis?).

Sei que posso ser acusado de anti-intelectualista. Que assim o seja.

Prefiro me ver como aquilo que se chamava de “um homem de letras”, pequeno herdeiro de uma grande tradição que reúne a Bíblia e os gregos como seus ancestrais, que tudo deve a eles, e que pouco ou nada sabe além deles.


2 comentários:

  1. Que rumo inesperado tomou o texto!!! Concordo com o Pondé referente à relevancia que se dá às idéias que os jovens alardam, mas quero alertar que, ao se chegar à velhice, é nos concedido uma capa de condecendência. Porque sentimos pena e empatia de todo velhinho instalado em algum asilo, relegado à espera de uma visita mensal (se tanto) da família? Afirmo que isso é reflexo da criação que ele deu aos filhos. No universo você só recebe o que dá. "..e no fim, o amor que você recebe é igual ao amor que você deu." John Lennon.
    Fiz parte dessa geração que prometia mudar o mundo. E mudamos!!!!!! Só que, ao que parece, precisamos pedir desculpas, pois ele mudou para pior!! rsss
    Daniel Cohn-Bendit foi o simbolo máximo dessa juventude que resumia a "liberdade" em "uma calça velha azul e desbotada".
    Hoje ele já um senhor é ainda ativo em suas idéias com o seu Partido Verde e a juventude ainda com seus jeans azuis e desbotados em busca da liberdade (semana passada até Jesus desceu da cruz, abandonou sua Madonna e veio desfilar sua calça azul e desbotada na faschion week!!)
    Essa idéia de transferir para os mestres a responsabildide de formação do ser é totalmente Platoniana, onde na República a responsabilidade do jovem era a do Estado. O jovem era propriedade do Estado.
    Eu já acho que, hoje, a escola tem que dar informação acadêmica e a formação é de resposabilidade da família. Cabe a escola criar um ambiente saudável (separando os "joios" dos "trigos" -- é, sou excludente, sim) para que o jovem receba a educação acadêmica e a família dá a formação que lhe é conveniente (moral, religiosa, política).
    Bem.. a "razão da idade" é concedida aos jovens e aos idosos... e nós que estamos na frente dessa guerra diária??
    Vou continuar com as "Gotas de consciência" - me são importantes - mas o real virá sempre me atropelar.
    PS: O Pondé, até quando ele tenta calçar as sandálias da humildade se mostra arrogante!! rsss
    Muito proveitoso o texto..... apreendi muito com ele, me fez pensar.

    ResponderExcluir
  2. Lembra da frase que te repassei? “Todo mundo ‘pensando’ em deixar um planeta melhor para os nossos filhos... Quando é que ‘pensarão’ em deixar filhos melhores para o o nosso planeta”. Não é que o “mundo mudou pra pior”. Nós que o tornamos assim. Só penso que a liberdade conquistada pela geração anterior ( e presenteada a essa nova) não lhes foi ensinado a utilizá-la. Com a desculpa “vou criar meu filho diferente do que fui criado” esquecem muitas vezes de impor limites. Li certo dia um texto em que dizia que a criança, e o adolescente imploram (inconscientemente) por esse limite. Hoje eles podem tudo, tem acesso a informações e aparelhos que nem sonhávamos em nossa época. Hoje a “liberdade é uma calça velha, azul e desbotada” transformou-se em “ calça cintura baixa (aparecendo geralmente a roupa íntima e outras partes mais intimas ainda...rs) e blusa dois números menores do que o usual.”
    Quanto a transferencia da responsabilidade da “educação” da criança para o Estado ( e quando digo Estado menciono somente escola) é uma dádiva para os pais, que não precisam mais se preocupar em dar a formação, religiosa, política ou mesmo moral. E infelizmente nos é impossível separar o “joio do trigo” a escola hoje é “inclusiva”. Inclui tudo até mesmo marginais, coitados eles tem direito a educação.
    Tânia

    ResponderExcluir