''Eu tenho meus motivos pra ser exatamente do jeito que eu sou, acredite.''

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O Grande Inquisitor

A lenda do Grande Inquisitor

     


O neofacismo, ao contrário do nazifascismo, não consiste em impedir de dizer, mas em obrigar a dizer.
     A maioria dos cidadãos, por natureza, nunca conseguem descobrir por si mesmos o que é certo ou errado, e seu dever cívico consiste em prestar obediência: a tarefa dos governantes da República consiste em inculcar nesses cidadãos as crenças "corretas", isto é, crenças que promovem a estabilidade do Estado, pois o que importa não é tornar os homens sábios, mas apenas obedientes - a grosso modo, essa é a ideia básica da República de Platão.
     Em O Grande Inquisitor, o porta-voz de uma espécie de utopismo autoritário, herdeiro ideológico direto do utopismo platônico, é um cardeal católico do século XVI, chefe supremo da Inquisição espanhola. Seu principal argumento é simples: o homem é uma criatura fraca e deplorável, incapaz de alcançar a paz ou a felicidade, a não ser submetendo-se ao governo de alguns poucos seres humanos superiores, no caso o clero, capazes de lhe determinar o seu destino social.
     Se, por um lado, Dostoievski pretendia, ao escrever, no fim do século XIX, a lenda do Grande Inquisitor, fazer uma crítica à Igreja católica, que para ele não passva de um ateísmo disfarçado e motivado apenas por uma incessante vontade de poder, por outro lado, tratava-se de um alerta e de uma antecipação dos regimes totalitários que, em nome da felicidade humana, constituíram o principal conflito ideológico do século XX.
     Nesse sentido, O Grande Inquisitor, aparentemente uma inocente paródia religiosa, é na verdade um provocador discurso político, uma confrontação alegórica entre duas ideologias opostas.
     Acima de tudo está em debate a questão central da liberdade humana, e essa pequena obra-prima de Dostoievski se transformaria no protótipo de todos os futuros Big Brothers da literatura e da história, antecipando e profetizando os verdadeiros formigueiros humanos em que se transformariam as sociedades contemporâneas, com seus cidadãos infantilizados e "ovinos" e seus governantes paternalistas, que sob o pretexto da felicidade humana, almejam, na verdade, apenas uma coisa: o poder.

Rubens Rusche.

     Na época mais terrível da Inquisição, um homem (Jesus) é preso pelo Santo Ofício por ter sido visto fazendo milagres. O Grande Inquisitor vem interrogá-lo, mas acaba fazendo uma surpreendente revelação. 
     O início de seu monólogo é tão rico que vemos as pessoas sendo conduzidas às fogueiras no auge da grande Inquisição.

“Estamos em Sevilha, no século XVI”, diz o narrador. O confronto – que na realidade não há, pois “Cristo” a tudo ouve, sem emitir uma única palavra – toma conta de toda a peça. Não há cenário, apenas dois bancos dispostos em diagonal. Um homem da inquisição pretende queimar na fogueira aquele para o qual “trabalha”. Uma pequena heresia de Dostoievski, em um texto que mexe a todo momento com os limites da fé.

     Intolerância religiosa. Queimamos aqueles que são de nós diferentes. Arrasamos com o pensamento contrário ao nosso. Enfim, não se acabou a queima na fogueira, pois as palavras também agridem, também condenam, também queimam.

     O Grande Inquisidor é um espetáculo textual, que conta com uma aula de atuação de Celso Frateschi, ator que se agiganta no palco. Não há nada que possa quebrar a concentração da platéia: nem elementos de cena, nem trilha sonora. Apenas o texto e o ator, de corpo inteiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário