''Eu tenho meus motivos pra ser exatamente do jeito que eu sou, acredite.''

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Colcha de retalhos

Em minha colcha ainda existem lacunas (retalhos) a serem vivenciados e costurados à minha existência...


    Hoje completo 45 anos, (não tenho medo de revelar minha idade....rs), e o presente que eu mais desejaria, seria acordar sentindo aquele cheirinho (dominical) de café com panquecas, levantaria e iria até a cozinha onde sei que "ela" estaria lá, minha força, meu porto seguro, sem ela sinto-me totalmente perdida, sem rumo, sem colo, sem chão...
    Aqueles são um dos principais odores que me reportam à primeira fase de minha existência. Aquele cheiro tão peculiar me devolve aos braços de minha mãe, lugar onde não caibo mais.
     Sábado minha amiga Sy me proporcionou duas alegrias, a primeira foi recordar minha infância comendo amoras no pé!... Nossa não lembrava como era bom!! Voltava para casa com as mãos e a camiseta tingida de roxo e nunca levei uma bronca de minha mãe por isso. A segunda alegria foi uma festa surpresa, ( em que estavam presentes somente a aniversariante, minha filha, minha sobrinha Ale e a Sy), estava estampado em seu semblante o desapontamento pelo "furo" das pessoas que foram convidadas, mas eu amei de coração!! Logo após chegou o marido da Sy com mais 4 amigos, e não é que transformou-se em um super jantar com emoções automobilisticas e tudo... rs (amiga... acho que Deus te mandou para talvez substituir aquela a quem ele me tirou, para me dar alento nas horas que preciso...).
    As lembranças de minha vida me recordam as velhas tramas das colchas de retalhos, trabalho artesanal que realiza a proeza de fazer novo o que é velho.
     Minhas memórias são como pequenos retalhos que recuperam o viço da beleza quando postos ao lado de outros. O processo da feitura de uma colcha de retalhos é muito interessante. Requer sensibilidade para perceber os contrastes que serão bonitos, quando foram vistos no conxtexto do todo,
     Essa forma de artesanato trabalha a partir de uma reciclagem que proporciona o encontro de tecidos. São oriundos das mais diversas situações. Tecidos de festas, tecidos de mortes, tecidos do cotidiano, todos encontrando o destino de mão de mulheres que os costuram numa trama única. Mulheres que, de maneira ritual e sensível, reconciliam as diferenças do mundo, O tecido pobre, opaco, ganha vida ao ser costurado ao lado do tecido sedoso e vibrante.
     Tecer colchas de retalhos é como realizar um ritual. É descobrir os caminhos que os próprios tecidos sugerem. Há uma notícia escondida em cada cor. Há um sentimento abscôndido em cada retalho, coisas que aos tempos idos pertencem. A vida se registra com generosidade sobre as coisas, É como se houvesse uma memória em cada fragmento da materialidade que nos rodeia.
     Busco nas palavras de Blaise Pascal, o teólogo francês, que na tentativa de compreender uma forma peculiar de inteligência, que pudesse abarcar as verdades da moral, de religião e da filosofia, argumentou de forma brilhante. "O coração tem razões que a própria razão desconhece".
     É verdade. A razão humana não pode abarcar todos os mistérios que nos envolvem. Experimento isso o tempo todo. A vida nos afeta. A vida me provoca. O que delas sorvo, de alguma maneira fica armazenado em mim. São os meus retalhos. Retalhos de alegria, retalhos de tristeza, retalhos de esperança, retalhos de desespero.
     Hoje resolvi costurar os retalhos de minhas lembranças, de minhas experiências. O primeiro retalho de minha vida é o de minha mãe, com ela aprendi as bases da moral, do amor e da solidariedade. Em minha colcha há tecidos de cor desconhecida, há memórias inventadas (palavras de um amigo meu), não me lembro de meu pai, pois faleceu dois anos após minha adoção, mas estão vívidas em minha memória as histórias contadas por minha mãe sobre o orgulho com que ele me carregava pelas ruas dizendo "está é minha filha japonesa". E fiz materializações em minha mente dessas histórias como se me visse em seus braços e escutado essas palavras.
     Em minha colcha de retalhos iniciais também fazem parte meus irmãos, minha irmã Sônia (que foi quem escolheu meu nome) e meu irmão Wilson (minha figura paterna) e sósia de meu ídolo infantil Elvis Presley, eu era invejada pelas amigas por ter um irmão tão lindo.
     Uma lembrança que me marcou referente a ele, foi numa noite em visita a minha mãe perguntou por mim, eu estava num bailinho na casa de uma vizinha, ele se dirigiu até lá, eu toda contente corri até ele quando ouvi " vá agora mesmo retirar essa maquiagem..." (que eu havia feito pela primeira vez...), não me recordo do depois... mas esse instante ficou marcado em minha memória.
     Anos após alguns retalhos foram acrescentados nessa colcha de memórias... casei, tive dois filhos lindos, houve rompimentos mas o retalho da memória fica gravado, conheci pessoas que se tornaram especiais (que contribuíram muito para meu crescimento pessoal, intelectual e íntimo) e algumas até mesmo como se sempre tivessem feito parte de minha vida, mas que vieram no momento exato (amigas para todo o momento) , outros foram passageiros , mas que mesmo assim me ajudaram a tecer a colcha de memórias que me reveste hoje...
     Esse amálgama de "retalhos", esse entrelaçamento de diferentes culturas, personalidades, contribuiram para que eu abandonasse um olhar etnocentrico para um mais relativista, que me impele a ser esse "ser", e "estar" sempre me aprimorando, buscando novos retalhos para que essa colcha de lembranças existenciais se amplie...
PS: Alguns trechos foram retirados do livro "Cartas entre amigos" de Gabriel Chalita e Pe. Fábio de Melo, que me deram inspiração para "voltar" a escrever...
     

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