''Eu tenho meus motivos pra ser exatamente do jeito que eu sou, acredite.''

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Malone Morre

LUIZ FELIPE PONDÉ
Folha de SP 26/10/09
"Malone Morre"

Num desses dias cinzentos, quando o mundo parece alimentar em você aquela certeza de que a lógica do pior é a lógica do mundo, tropecei na citação: "Antes de mais nada, quero dizer que não perdoo ninguém. Desejo a todos uma vida atroz nos fogos do gélido inferno e nas gerações execráveis que hão de vir". É Samuel Beckett em "Malone Morre".
Muita gente acha que a literatura de Beckett existe pra escrevermos teses complicadas sobre como a época em que ele viveu foi descrente porque só se pensava em ganhar dinheiro numa Europa que se afundava no capitalismo americano, pós-Segunda Guerra.
E aí passamos a xingar a burguesia e sua breguice famosa e vazia. Eu nunca xingo a burguesia porque temo que o faça por inveja. Eu acho que textos como esse servem para nos manter de olhos abertos para o risco de que o coração resvale na descrença absoluta acerca da vida fora da miséria que escorre pelos muros do mundo.
O pessimismo é uma geometria do mundo quase uma ciência exata. Não acredito que a questão de Beckett fosse apenas um desespero "político-social". Se assim fosse, ele seria um escritor menor. O desespero só merece respeito quando vai muito além do político-social e escurece o Sol.
Em meados dos anos de 1990, quando vivia em Paris por conta do meu doutorado, encontrei-me um dia com o filósofo Alain Finkielkraut num daqueles "cafés-cabeça" do Boulevard Saint German. Ele se dizia um pessimista. Discutíamos a literatura e a tendência, já forte na época, de afogar as letras no desejo brega de felicidade que hoje em dia satura o ar com seu fedor.
Para ele e também para mim, era claro que grande parte da culpa disso era da esqueerda e sua natural vocação para esperanças bobas, quando se afasta de autores mais pessimistas como Adorno. Sempre suspeitei que o pessimismo fosse um desbunde, para a incompetência ou para a preguiça.Para ele e também para mim, era claro que grande parte da culpa disso era da esquerda e sua natural vocação para esperanças bobas, quando se afasta de autores mais pessimistas como Adorno.
Seu argumento era muito parecido com o do escritor tcheco Milan Kundera: um romance deve criar dúvidas sobre o mundo. Como diz Kundera, "a burrice das pessoas vem delas terem resposta para terem resposta pra tudo". Finkielkraut comparava então romances como "Madame Bovary" e "Educação Sentimental" (ambos de Flaubert) a romances que oferecem soluções para a vida.

Se Emma Bovary nos ensina que o desejo é um companheiro destrutivo, ao mesmo tempo nos pega pela mão e nos leva a uma vida insípida onde não há desejo e da qual ela foge.
O Confronto entre as duas formas de vida, sem solução, é a força da personagem. Mesmo que Emma tenha se transformado, para muitos de nós, naquele arquétipo da mulher de 40 anos com uma taça de vinho branco nas mãos, com os seios já caídos, que aborda homens em lançamentos de livros ou em exposições, falando como o parceiro que tem, a verdadeira Emma Bovary encarna o risco que é apostar no desejo.
Mas uma vida sem desejo não vale a pena ser vivida, por isso ela é uma grande heroína: sua grandeza mora ali onde mora sua maldição. Que distância dessas bobagens que psicólogas de recursos humanos gostam de ler e recomentar para seus funcionários ou que estes conferencistas motivacionais e de liderança gostam de citar como exemplo de vida para suas platéias atordoadas pelo pânico da vida.
Por exemplo, o que dizer a uma mulher ou a um homem que vê sua energia se apagar diante do sorriso de alguém mais jovem, oferecido docemente ao seu parceiro ou parceira? Nesse momento, a insegurança sobe à boca, inundando-a de uma saliva azeda, mas com aquele insuportável sabor que a verdade tem.
A solução ridícula então vem aos olhos, e eles falam: "Posso eu competir com essa fisiologia fresca e bela?" E aí vem o socorro da má literatura. Mas, quando em casa, à noite, no espelho, você se olha, dificilmente conseguirá esconder o desejo de que ninguém jamais seja perdoado porque você é infeliz e de que todos que nasceram depois de você sejam execráveis, pela simples razão que ainda têm mais vida. Talvez Finkielkraut, Kundera e Beckett sejam excessivamente duros conosco, mortais. às vezes parece que a consciência que eles nos cobram é excessiva. Uma certa dose de inconsciência se faz necessária para enfrentar as horas.

domingo, 25 de outubro de 2009

Museu do Futebol





















Já faz um tempo que o visitei e estou para escrever sobre ele, e agora rememorando aqueles momentos, me senti como se estivesse um "Museu de História". Talvez muitas pessoas ainda não o visitaram porque imaginam que lá só irão ver fotos de jogadores ou vídeos de jogos, claro isso existe, mas tem muito mais. Você é surpreendido logo na entrada com as coleções de jogos de botões, (quem nunca os jogou?..) aqueles antigos em que ainda apareciam os rostos dos jogadores (isso já não é mais possível pois há uma imensa rotatividade nos times..), camisas de todos os times nacionais (digo todos mesmo! até do time de Guarulhos que deve estar na quarta divisão...). No primeiro andar existem as ja esperadas fotos e vídeos de jogos. Curiosidades como o gol mais rápido do mundo feito em segundos, uma sala onde existe uma simulação de estádio com toda a vibração das torcidas, e após ela adentramos num espaço onde residem fotos antigas, onde podemos ver uma outra história, aquela narrada por hábitos, costumes, atitudes, vestimentas e gestos de um povo, ano a ano, década a década, ... e finalmente no último andar uma verdadeira aula de História, está cronologicamente separada por anos em que foram realizadas as copas do mundo. E o que me surpreendeu... não somente de futebol, conta "nossa história", com fotos e vídeos que nos vislumbra a História do Brasil, me surpreendi ao ver o slogan "Ame ou deixe-o", me emocionei ao ver fotos e vídeos de um de meus hérois brasileiros "Airton Senna", e também de meu jogador preferido "São Marcos". Muitas pessoas comentam que não se interessaram em ir porque pensavam ser somente mais um museu onde iriam ver assuntos relacionados ao futebol. Ao que digo que estão enganadas, e sim!! Vale a pena a visita.






Repetimos a lenda e o delírio que o futebol desencadeia em cada relato que fazemos de uma partida, tenha ela ocorrido hoje ou há 50 anos. Pouco importa se o jogo foi visto pela TV, ouvido pelo rádio ou lido em uma notícia de jornal. Na cabeça de quem o imagina, ele reaparece límpido como uma verdade absoluta, repassada de geração em geração.

É a força expressiva da tradição oral, da palavra, que serviu perante a história para perpetuar a existência dos contos e dos povos, muito antes da invenção da imprensa ou da imagem eletrônica. O jogo nos faz viver em renovado feitio. algo que impregna nossa vida afetiva.


O Museu do Futebol tem um ano de existência e nesse tempo teve quase 400 mil visitantes. Com mais de 1.500 imagens e seis horas de vídeos expostos, comemora essa herança comum, passada pela tradição oral, num país tal falto e escasso da valorização dessa memória.


No museu estão expostas as imagens que percorreram o imaginário da nação desde 1896, quando o filho de ingleses Charles Miller aqui aportou trazendo na mala uma bola e um manual de regras.





O que surpreende o visitante não é a tecnologia de ponta ou as atividades interativas, mas o romper com um olhar vetusto e esperado de um museu. O espaço pensado para deixar solto o desejo libertário em cada visitante, estimulando uma inventiva própria.






Cada visitante do Museu do Futebol é encarado como artista em potencial. Em certo sentido, o visitante é o próprio conteúdo do museu: ele se nutre do museu e o nutre. Assim, amplia as próprias fronteiras do conhecimento permitindo a fruição do espaço visitado num gozo intelectual, próprio e sensível.






Espero que gostem da indicação. Programão pra esse domingo! Beijos a todos!
Nesse ano assisti a 3 filmes em que vemos a "versão masculina do amor". O último deles foi

no A verdade Nua e Crua, mostra o típico "dporco chovinista" .... mas vemos que por traz daquilo tudo, existe um homem "com medo de amar" o filme mostra que os homens se transformam apos um sofrimento e como tem medo de sofrer novamente cria essa "proteção invisivel" onde acha que esta protegido.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Valorização do Professor

Foi aprovado na madrugada do dia 21 (por que sempre no calar da noite?) pela Assembléia Legislativa de São Paulo o novo plano de remuneração aos professores estaduais. O Projeto de Lei Complementar (PLC) 29/2009 prevê reajustes que poderão segundo a Secretaria da Educação quadruplicar o salário inicial dos professores da rede. Seria maravilhoso se fosse real, essa lei tem seus prós e contras, o professor será avaliado por uma prova e por sua vida funcional (assiduidade e tempo de permanência na mesma escola).
O PLC prevê que até 20% dos docentes poderão ter direito ao reajuste de 25% sobre o salário base (que convenhamos é baixo) e os outros 80%?

Portanto, como falar em valorização sem corrigir distorções salariais e de condições de trabalho impostas por sucessivos governos do PSDB? O correto seria corrigi-las, ainda que gradativamente, e iniciar uma urgente revisão de carreira que hoje leva os professores à estagnação na última faixa salarial.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Razão, crença e dúvida

Meu primeiro contato com a história que segue foi em julho passado, no blog de Richard Wawkins (www,richard-dawkins.net, site que se autodenomina "um oásis de pensamento claro"). Dawkins é o evolucionista britânico que se tornou apóstolo do racionalismo ateu e cético, escrevendo, entre outros livros, o best-seller mundial "Deus - Um Delírio" (Companha das Letras, 2007).
Mas eis a história. Em 2002, na Austrália, o casal Sam, de origem indiana, perdeu a filha, Glória de nove meses.
A menina, a partir do quarto mês, apresentou sintomas de eczema infantil, que é uma condição alérgic
a que afeta mais de 10% dos bebês e, geralmente, acalma-se ou some aos seis anos ou na adolescência. As causas do eczema infantil não são bem conhecidas; a medicina administra a condição da melhor maneira possível, esperando que passe.
O problema é que o eczema (pele seca com prurido) dá uma vontade de se coçar à qual as crianças não resistem, e a pele, ferida, abre-se para qualquer infecção. Foi o que aconteceu c
om Glória, que morreu de septicemia.
Não foi falta de sorte: o pai de Glória é homeopata e, em total acordo com a mulher, medicou a menina só com remédios homeopáticos (insuficientes na condição da menina). Isso até o fim, quando ela definhava pelas infecções internas e externas. Glória foi levada a um hospital três dias antes de morrer: as bactérias já estavam destruindo suas córneas, e os médicos só puderam lhe administrar morfina para aliviar seu sofrimento.
Os pais de Glória foram presos, acusados de homicídio por negligência e, no fim de setembro, condenados pela Justiça australiana: o pai, a oito anos de prisão, a mãe, a cinco anos e quatro meses. Segundo o juiz, Peter Johnson, ambos os pais "faltaram gravemente com suas obrigações diante da filha": o m
arido pela "arrogância" de sua preferência pela homeopatia e a mulher pela excessiva "deferência" às decisões do marido.
Os termos da decisão de Johnson são admiráveis. A obediência - ao marido, no caso-, seja qual for seu fundamento cultural, nunca é desculpa; ela pode ser, ao contrário, o próprio crime. E, sobretudo, o marido é condenado não por recorrer à homeopatia, mas pela "arrogância" que lhe permitiu perseverar em sua crença e em sua decisão diante do calvário pela qual passava a menina.

A sentença de Peter Johnson é, para mim, um modelo de racionalidade, porque estigmatiza a certeza independentemente do objeto de crença. Ou seja, o juiz não discute o bem fundado da autoridade do marido e, ainda menos, os méritos respectivos da homeopatia e da medicina alopática. Tampouco ele quer limitar a liberdade de opinião, garantida pela Constituição; a sentença penaliza apenas, por assim dizer, a rigidez.
O surpreendente é que, ao ler os comentários dos leitores do blog de Dawkins, os "racionalistas" parecem tão "rígidos" quanto o pai de Glória. "A razão" (que eles confundem com uma visão aproximativa do estado atual da arte médica) é, para eles, um objeto de fé, uma crença pela qual facilmente condenaríamos os "infiéis" à fogueira.
Contardo Calligaris


Se me coloco no lugar dos pais de Glória, não consigo imaginar uma crença, por mais que ela possa ser crucial para mim, que resista à visão do corpinho de minha filha transformado numa ferida aberta e purulenta.
Antes disso, eu (embora confiando, a princípio, na m
edicina alopática) já teria convocado não só os homeopatas (o que, aliás, seria uma banalidade, visto que a homeopatia é uma especialidade médica reconhecida) mas também todos os xamãs, feiticeiros e curandeiros que me parecessem minimamente confiáveis. E, é claro, embora me considere kardecista (mas ultimamente não praticante) , eu rezaria sem nenhuma vergonha e sem sentimento de trair minhas "convicções", pois a primeira delas, a que resume minha racionalidade, diz, humildemente, que há muito no mundo que minha razão não alcança.
Se fosse testemunha de Jeová, e minha filha precisasse de uma transfusão (que a religião proíbe), abriria imediatamente uma exceção. Mesma coisa se fosse cientologista, e minha filha precisasse de ajuda psiquiátrica. Sou volúvel e irracional? O fato é que tenho poucas crenças (provavelmente n
enhuma absoluta), e acontece que, para mim, a razão é uma prática concreta, específica: um jeito de pesar e decidir em cada momento da vida.
Com o juiz Johnson, pergunto: onde se manifesta a razão? Na arrogância das certezas
ou na capacidade de duvidar?






símbolo da cientologia

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Bastardos Inglórios


Quem é fã de Quentin Tarantino reconhece seu estilo logo nos primeiros minutos do filme e nos primeiros acordes da trilha sonora.
Tarantino parodiou a Segunda Guerra
Mundial e transformou os judeus nos verdadeiros carrascos do processo.
Ouvi rumores sobre a "falsa história" contada no filme, mas quem quer saber história, estuda e lê história. Salas de cinema são salas de cine
ma.
O filme começa por ter esse poder na própria transfiguração da verdade. Vocês estão habituados a filmes sobre Holocausto onde os judeus são meros carneiros nas matanças nazistas. Filmes de sentimentalismo que apenas diminui o sofrimento real e inimaginável, e por isso mesmo infilmável, dos judeus na Segunda Guerra.
"Bastardos Inglórios" começa por subverter o clichê: os judeus, agora, não são apenas vítimas; também são vingadores. matando nazistas com uma violência paródica e catártica. Liderados por um "redneck" (equivalente a caipira no Brasil) da América profunda, eles aterra
m na França ocupada para matar alemães como se matam ratazanas. À paulada.
Paralelamente às pauladas, existe também uma sobrevivente judia e francesa, Shoshanna, que também ajuda (sem saber) os
"Bastardos". Depois de ver a própria família massacrada pelas "ratazanas", ela resolve tratar do assunto montando a sua vingança. Pelas chamas.
Não é fácil aceitar essa inversão de papéis, estamos habituados a ver os judeus como vítimas. Gostamos das vítimas enquanto elas são vítimas. Tarantino explode essa covardia suave.
Mas "Bastardos Inglórios", não se limita a usar o cinema para conceder uma retribuição fantasiosa às vitimas da história. Em "Bastardos Inglórios", é também no cinema, espaço físico de destinos alternativos, que se constrói um desfecho histórico alternativo.
Não sabemos o que teria sucedido à Alemanha se Hitler tivesse sido eliminado em 1939, ou em 1943 ou em 1944: três dat
as, três tentativas sérias. Provavelmente, o Reich teria desabado mais cedo. Mas sabemos que, em "Bastardos Inglórios", Hitler e seus gângsteres são eliminados numa sala de cinema. Como se a sala de cinema fosse também um tribunal último, capaz de repor um simulacro de Justiça num mundo tão radicalmente injusto.
Quentin tem uma particularidade como diretor, a cada cena que precisam refilmar e o questionam o porque ele faz todos responderem em coro" Porque amamos fazer filmes"....
Recomendo o filme tenho certeza que irão gostar.
Deixo o trailer de "Bastardos Inglórios" para aumentar a espectativa (ou acabar com ela..rs)
Beijos a todos! Tânia




Existe humor em Tarantino. Existe violência.Existe extravagância. Mas o amor ao cinema, como arte e pos
sibilidade, é provavelmente maior do que a soma das três partes.
Disse humor, disse violência, disse extravagância exatamente por essa ordem. Reitero. Esse trio explica a minha estima literária por Tarantino, um diretor que, antes de pensar com imagens, pensa com palavras.
Haverá algum diretor vivo que escreva dialógos como Tarantino?
Sim, Woody Allen seria um nome válido. Mas Allen é um mestre do "punch line", essa procura desesperada da piada inesperada. Tarantino é um mestre das preliminares. Ele sabe que a piada está no adiamento da piada. Por isso os diálogos de Tarantino nos parecem tão luminosos, no sentido espiritual do termo: eles são a última
exibição de racionalidade antes da carnificina irracional.
Em "Cães de Aluguel" os bandidos discutem o significado real do tema "Like a Virgin", de Madonna, momentos antes do assalto bancário que corre barbaramente mal. Em "Pulp Fiction", meditamos com Jules (Samuel L. Jackson) e Vincent (John Travolta) sobre o significado sexual de uma massagem nos pés, momentos antes de massacrarem um grupo de pagadores relapsos.
Em "Bastardos Inglórios", esse prazer sádico de esti
car a corda é cultivado da primeira à última sequência. Como se os diálogos fossem meras antecâmaras de uma violência que se promete e anuncia.
E, quando ela chega, nunca a expressão "Comic relief" foi tão apropriada.
João Pereira Coutinho (crítico de cinema)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Amor aos pais


Conversando com uma pessoa a mim querida, falávamos sobre o amor aos filhos e aos pais, eu falava que gostaria de manter minha família unida, que quero ser aquela "avó com açúcar", que verdadeiramente estraga os netos (coisa que me aborrecia quando minha mãe o fazia). Espero que o amor e atenção que dedico e dediquei aos meus filhos me seja retribuída mais tarde. Egoísmo? Totalmente! Claro que quero ser uma "velhinha" independente, mas não vou largar mão dos almoços de domingo, Natal, Ano Novo, aniversários de netos, de filhos e o meu claro...rs
Criamos os filhos para o mundo, mas o quanto pudermos ter para nós melhor, os que me conhecem intimamente sabe o quanto isso é dificil para mim, "soltar os filhos", mesmo porque sabemos que hoje em dia é algo dificil de se fazer com tranquilidade.
Agora voltemos ao filme... amigos, eu chorei na primeira e na segunda vez que assisti. Por que fazemos isso aos nossos pais? Não temos paciência, estamos sempre com pressa, de chegar onde? Quantas vezes eles não largaram tudo por nós? Uma cena que nunca me saiu da mente... "Eu tinha uns 4 a 5 anos, minha mãe saia as 3 da manhã pra trabalhar e eu ficava dormindo em casa, pela manhã minha vizinha ia me pegar, nessa noite eu acordei, vi que ela não estava, corri para fora subi em cima do registro d'água e comecei a chorar e a chamá-la. Lembro que ela soltou sua sacola e desceu a rua correndo. Me acalmou e pediu para eu ficar na casa da vizinha..."
O que me dói é nunca ter dito "obrigada por tudo" (alguns amigos sabem o que se refere "tudo"), mas tenho certeza que ela sabia o quanto eu era grata por ter me resgatado de uma vida talvez de sofrimento. Por isso digo aos meus amigos que ainda tem seus pais por perto. OS AME! Dê atenção, carinho, e tudo o mais que eles necessitarem. Ligue para dizer "Liguei pra saber se estão bem, pra dizer que estou com saudades". (Nem que tenham acabado de sair....) Garanto não se arrependerão! Quem me dera eu tivesse direito a uma ligação ao ano no lugar em que ela está...
Nossa, estou muito sentimental para um feriadão! rs. Mas esse filminho mexeu com coisas ainda não superadas em mim, com ausências, com saudades!
Um ótimo feriadão a todos!!! E mandem um beijo aos seus pais por mim!!
Tânia.

sábado, 10 de outubro de 2009

O horror dos detalhes


Na peça Henrique V de Shakespeare há uma cena que diverge do tom de celebração do resto. Boa parte da peça é sobre a famosa batalha de Agincourt em que um exército inglês liderado por Henrique V derrota um exército francês cinco vezes maior no dia de São Crispim e Shakespeare dá ao rei várias falas exaltando o feito dos poucos afortunados como ele - "we few, we happy few" - cuja coragem e caráter asseguraram a vitória. A peça é um elogio às virtudes peculiares da nobreza inglesa incorporada em Henrique - o que torna mais curiosa a cena destoante. Tão destoante que foi sendo cortada ou atenuada através dos anos e não aparece nas duas versões para o cinema, feitas por Laurence Olivier em 1944 e Kenneth Branagh em 1989. É uma cena de atrocidade. O rei ordena o massacre de prisioneiros franceses que são degolados.
A chacina não apenas desmente todas as belas palavras de Henrique sobre o caráter do seu bando de irmãos como contraria o código de honra que norteava o comportamento dos cavaleiros cristãos nas guerras medievais (mas só contra os outros cristãos, como prova o que aprontaram contra os árabes nas Cruzadas). Talvez Shakespeare, colocando um massacre nada honrado no meio da sua peça mais ufanista, estivesse sendo matreiramente irônicos com seus conterrrâneos. Ou apenas quisesse lembrar que na celebração de grandes vitórias militares, a exaltação esquece o sangue e as belas palavras costumam esconder o horror dos detalhes.
A fala de Henrique ordenando o massacre é um lacônico "Que cada soldado mate seus prisioneiros. Passe a palavra adiante". Sem preâmbulos, sem explicação, sem qualquer elaboração. A terrível singeleza da frase até justifica o fato da cena ter sido frequentemente omitida, já parece tão inconsequente - a não ser para os degolados, claro. O próprio Henrique não menciona mais o incidente, banito, até Shakespeare resgatá-lo cem anos depois da sua biografia. Que não seria muito longa. Ele casaria com a filha do rei francês e seria nomeado herdeiro do trono da França, mas morreria pouco depois, aos 35 anos de idade. O que conquistara com tanto sangue foi recuperado pela França, sob a liderança de Joana D'Arc. Que vingou a derrota humilhante em Agincourt e cuja vitória é celebrada até hoje comom manifestação de um certo espírito peculiarmente francês, esquecidos todos os detalhes sangrentos.
Veríssimo

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A vovó das Havaianas





Palmas para a agência; um baile nos chatos contra a autorregulação em propaganda.
Luiz Felipe Pondé (Folha de SP 05/10/09)

CARA LEITORA , você fala de sexo com sua avó? Se ela falasse com você sobre que tipo de cara é bom pra você ir para a cama, você ficaria à vontade? Ou do alto de seus 20 anos e do blábláblá sobre sua geração ser "sexualmente mais emancipada", você ficaria vermelha e, num reflexo ancestral, fecharia as pernas de vergonha?
Pesquisas consideram as mulheres como índice significativo em termos de "progresso" nos comportamentos. Mulheres que transam fácil e falam disso com desenvoltura, isso seria indicação de "sociedades mais avançadas". Ainda que eu, como a cara leitora já sabe, não acredite muito nesse blábláblá de sociedade mais avançada. Africanas transam muito e a África está longe de ser avançada.
Por que faço esta pergunta indiscreta? Perguntas sobre sexo são difíceis porque se mente muito nesse assunto. Não acredito que hoje se faça mais e melhor sexo do que se fazia antes. A dita revolução sexual é puro marketing de comportamento. Serve pra produzir comportamentos superficiais que vendem coisas relacionadas ao sonho de consumo sexual. No íntimo, a maioria continua insegura, solitária e mal resolvida, só que agora sabe falar bonito sobre a tal liberação sexual.
Em setembro, estreou um comercial de um modelo de Havaianas onde uma jovem conversa com sua avó em um restaurante. Sua avó reclama de suas sandálias num local chique como o que elas estavam. Ela responde algo do tipo "deixe de ser antiga vovó". Entra um cara famoso e bonito no restaurante e elas olham.
A vovó diz pra neta que aquele é o tipo de cara que ela deveria arranjar. A neta responde que casar com gente famosa não é bom. Aí vem o tiro da vovó, quando ela diz mais ou menos assim: "Estou falando de sexo e não de casamento menina!".
Após reclamações do "público sensível", a agência de publicidade criadora do comercial colocou outro filme no ar, em que a atriz que faz a vovó, com um laptop no colo, faz referência explícita às reclamações e diz que a agência decidiu fazer esta segunda versão (que não encobre, e mais do que isso, assume o mal-estar causado pela primeira) em respeito aos ofendidos, mas que, ao mesmo tempo, mantém a primeira na internet em respeito aos que gostaram da "versão maldita". E ainda dá um olé: "Depois digam que não sou moderninha", e acrescenta "isso não é muito democrático?"
Palmas para a agência e para o produto. Um baile nos chatos que não reconhecem a importância da autorregulação em publicidade e querem legislar sobre como as pessoas lidam cotidianamente com a banalidade e a falta de sentido da vida miúda. O problema da repressão à publicidade é que ela pode facilmente criar uma propaganda "frouxa" que só diz o que os chatos acham que pode ser dito. Um chato é uma pessoa que normalmente não tem muita criatividade e atrapalha quem tem. Não há como ser criativo sem correr riscos na vida.
Entretanto, ainda que os envolvidos na criação do comercial tenham se saído muito bem dando uma lição de autorregulação e de como se deve agir numa sociedade difícil como a nossa, sem desistir da ideia "reprimida" pela hipocrisia do público ofendido, esse fato revela mais do que a vitória da criatividade sobre a repressão burra. O fato revela como somos todos reféns do que pessoas banais pensam, em seus apartamentos de classe média.
A ideia de que o público seja mera vítima na sociedade de consumo conta apenas parte da história desta sociedade de consumo. E a fala da vovó, "isso não é muito democrático?", revela exatamente uma das agruras da democracia, sistema necessariamente aberto a estupidez pública. O consumo pode ser de fato uma ferramenta de enorme poder nas mãos do cidadão-consumidor.
Esse "case" Havaianas revela a inteligência adaptativa da propaganda e como ela é uma fronteira na sociologia contemporânea. Uma personagem vovó brinca com o senso comum de que jovens "estão adiante de seu tempo" -uma bobagem que só tem valor quando utilizada pra vender alguma coisa. Jovens são "conservadores" com tudo o que dão valor e "progressistas" com tudo o que não dão valor, assim como todos os mortais. O personagem jovem como agente de mudança é um mito.
Fora o mito, são repetidores de (novos) preconceitos, (novas) fofocas e (novas) repressões em meio às (velhas) baladas. Vou sair e comprar uma Havaianas dessas pra minha filha de 17 anos. Mesmo se for tudo uma grande criação de marketing, ainda assim, um show de bola.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Sophie Calle - Cuide de você

Sophie e Gregoire somos (todos) nós





Sophie Há algum tempo venho querendo lhe escrever e responder ao seu último e-mail. Ao mesmo tempo, me pareceria melhor conversar com você e dizer o que tenho a dizer de viva voz. Mas pelo menos será por escrito. Como você pôde ver, não tenho estado bem ultimamente. É como se não me reconhecesse na minha própria existência. Uma espécie de angústia terrível, contra a qual não posso fazer grande coisa, senão seguir adiante para tentar superá-la, como sempre fiz. Quando nos conhecemos, você impôs uma condição: não ser a “quarta”. Eu mantive o meu compromisso: há meses deixei de ver as “outras”, não achando obviamente um meio de vê-las, sem fazer de você uma delas. Achei que isso bastasse; achei que amar você e o seu amor seriam suficientes para que a angústia que me faz sempre querer buscar outros horizontes e me impede de ser tranquilo e, sem dúvida, de ser simplesmente feliz e “generoso”, se aquietasse com o seu contato e na certeza de que o amor que você tem por mim foi o mais benéfico para mim, o mais benéfico que jamais tive, você sabe disso. Achei que a escrita seria um remédio, que meu “desassossego” se dissolveria nela para encontrar você. Mas não. Estou pior ainda; não tenho condições sequer de lhe explicar o estado em que me encontro. Então, esta semana, comecei a procurar as “outras”. E sei bem o que isso significa para mim e em que tipo de ciclo estou entrando. Jamais menti para você e não é agora que vou começar. Houve uma outra regra que você impôs no início de nossa história: no dia em que deixássemos de ser amantes, seria inconcebível para você me ver novamente. Você sabe que essa imposição me parece desastrosa, injusta (já que você ainda vê B., R.,…) e compreensível (obviamente…); com isso, jamais poderia me tornar seu amigo. Mas hoje, você pode avaliar a importância da minha decisão, uma vez que estou disposto a me curvar diante da sua vontade, pois deixar de ver você e de falar com você, de apreender o seu olhar sobre as coisas e os seres e a doçura com a qual você me trata são coisas das quais sentirei uma saudade infinita. Aconteça o que acontecer, saiba que nunca deixarei de amar você da maneira que sempre amei desde que nos conhecemos, e esse amor se estenderá em mim e, tenho certeza, jamais morrerá. Mas hoje, seria a pior das farsas manter uma situação que você sabe tão bem quanto eu ter se tornado irremediável, mesmo com todo o amor que sentimos um pelo outro. E é justamente esse amor que me obriga a ser honesto com você mais uma vez, como última prova do que houve entre nós e que permanecerá único. Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente. Cuide de você.
G





Acabei de reler o email que me fez pensar em todos aqueles que já passaram pelo fim de uma relação de uma forma moderna; nele, um escritor, Gregoire, termina a relação com uma artista plástica Sophie.
Sim, ele terminou a relação por email – não por maldade (imagino eu), mas por falta de condição mesmo; afinal, nem sempre temos coragem de dizer olhando nos olhos do outro aquilo que queremos, ou precisamos dizer – e só o tempo e a maturidade nos fazem entender (e aceitar) nossas limitações.
Continuando a leitura, pensei com os meus botões: de certa forma ele é meio um modelo, um script dos “fins de romance onde ainda existe bem querer”. Sim!! Pára pra pensar: em maior ou menor escala, todos nós já dissemos ou ouvimos a maioria daquelas frases.
Engraçado… Quando amamos, acreditamos que os sentimentos nutridos pelo outro são únicos, especiais – de certa forma, amar faz com que nos sintamos diferentes dos outros, escolhidos… É, mas na verdade, não passamos de um exército de clichês, normalmente com um pezinho no cafona...
“Houve uma outra regra que você impôs no início de nossa história: no dia em que deixássemos de ser amantes, seria inconcebível para você me ver novamente. Você sabe que essa imposição me parece desastrosa, injusta (já que você ainda vê B., R.,…) e compreensível (obviamente…); com isso, jamais poderia me tornar seu amigo” (tirado do email).
Também comecei a rir, meio emocionada ( me achando uma tonta), quando li que a Sophie também dizia não querer ser amiga dele do Gregoire quando eles terminassem… Sabe o que me intriga? As mulheres vivem dizendo que os homens só querem saber de sexo (e na maioria das vezes é verdade), mas aqui e ali eles fazem exceções - digamos assim-, e nós as repudiamos (quiçá por orgulho ferido por termos sido preteridas, ou mesmo com medo de não suportarmos vermos vocês como amigos, sei lá).
Quanto a mim, nunca foi falta de romantismo, e sim pura falta de condição. Não caberia… Complicado olhar pra uma pessoa com a qual outrora conversava deitada no colo, com o seu cabelo ao alcance de um cafuné, e de repente ter aquela distância física que o racional entende, mas o coração não – afinal, desde quando coração entende dessas coisas de timing errado, de impossibilidade de convivência, de gênios e personalidades que se desgastam com o tempo? Não, coração só entende bem querer, bem querer este que o cérebro traduz por sensações de bem estar infinitas - às quais sempre queremos que sejam intermináveis.
Pois é, como Sophie, eu também não gostaria ser amiga de Gregoire. Na verdade, eu não saberia como iria conseguir ficar sem seus emails, sem ouvir tua voz, sem vê-lo me olhando e rindo de soslaio quando dizia que eu era “maluquinha” (e adorando que eu fosse assim), ou então toldando os olhos de emoção quando algo que eu te dissesse tivesse sido pertubador. É, eu não teria ideia como iria suportar a falta de ficar sem olhar o homem que fez com que eu visse a mulher que eu era; melhor pensar em vê-lo morando em outra galáxia, abduzido por extra-terrestres do que imaginar nós dois sendo amigos. Como eu poderia encontrá-lo como se nada daquilo nunca tivesse acontecido.
Ah, entendo mesmo quando a Sophie dizia pro Gregoire que jamais seria amiga dele!
Sophie pediu a Bouillier que viesse ao Brasil para conversar com ela em público pela primeira vez. E ele aceitou. Simples assim.
Mas como diz aquela música " sentimento ilhado, morto e amordaçado, volta a incomodar"... O ser humano deve mesmo ter sido fabricado em série, e veio de fábrica com o chip do clichê ambulante: como a Sophie, eu também passaria algum tempo fingindo não me lembrar da sua existência, eu me pegaria pensando em como você poderia estar… Ah sim, não sei se vocês sabem, mas ela acabou encontrando o Gregoire na última FLIP – usando igualmente uma desculpa esfarrapada, como só as pessoas que não se importam com mais nada a não ser com as saudades que sentem têm coragem de usar…
Mas pensando bem, é nisso que está a beleza de um afeto sincero e incondicional: você não se importa caso pareça ridículo e infantil, pois tem certeza que a pessoa do outro lado vai entender. Como eu sempre falo, a meu ver, todo amor verdadeiro, pleno (daqueles que não se consegue sentir muitas vezes na vida) passa pela compreensão, pela capacidade de a pessoa conseguir se colocar no lugar da outra e entender os motivos das atitudes dela.
Sabe, é sobretudo por essa capacidade de compreender que dá pra entender o “cuide-se” ao final do email; para escrever algo assim, é preciso realmente querer a felicidade do outro – ainda que não seja com você; só aqueles que se querem muito bem sabem o quanto é doído escrever (ou dizer) um “se cuida”, rezando pra pessoa ficar bem, porque não teremos condições de saber quando elas estiverem na pior; só os que se querem muito bem têm condição de apreender o quanto de maturidade (que só o sofrimento traz), abnegação e compreensão um ‘se cuida” contém…
“A conversa foi quente e explícita como a arte de ambos, mas o principal ficou para depois. Os dois não se desgrudaram em Paraty . Em certo momento, andaram a sós pelas ruas escuras do Centro Histórico da cidade. Sumiram na sombra, à luz do luar. Ninguém flagrou um beijo sequer, mas só se falava disso nos bares da cidade”.
Para mim, amor não morre; no máximo se transmuta, transcende. Morrer? Não. Disso tenho certeza. E gosto de chamar as coisas pelo que elas são. Digamos então apenas que somos pessoas perfeitamente cientes da importância e do lugar que têm na vida uma da outra, certo? E isso não é pouco (além, evidentemente, da admiração mútua que teríamos um pelo cérebro do outro).
Afortunados daqueles que podem dizer o mesmo e puderam viver isso ao menos uma vez na vida.
Se cuidem...
Beijos mil,